Sir Roger Scruton deixou-nos esta semana. O pensador conservador mais influente desde Edmund Burke deixa-nos uma obra que perdurará no tempo e garantidamente manterá a utilidade e actualidade. É inevitável, nestas alturas, um regresso às coisas que mais nos marcaram no autor. Neste regresso a Scruton, que é um regresso ao lar ideológico, encontro muito do que me move politicamente e muita luz sobre o presente e futuro do CDS.

Com toda a consideração que qualquer militante que se disponibilize para uma candidatura merece, sabemos que a presidência do CDS se joga entre três candidatos. Apesar de haver uma aparente convergência de conteúdos entre as moções de estratégia, é óbvio que cada um destes três candidatos representa um caminho profundamente distinto para o CDS. Todas as opções políticas e ideológicas em presença são legítimas, enquadram-se no campo da direita e não há razões para as esconder. É muito importante que cada congressista saiba exactamente o futuro que vai escolher pelo seu voto em congresso.

Do ponto de vista da acção política a caracterização é evidente, tendo os congressistas a possibilidade de escolher entre uma linha de continuidade, uma opção de mudança ou uma anunciada ruptura.

João Almeida, como o próprio diz, desde a JP que integra quase em permanência múltiplas e diferentes direcções, tendo sido o porta-voz de Assunção Cristas e mantendo consigo o baronato que domina o partido desde 1997, à excepção do curto consulado de Ribeiro e Castro. São mais de 20 anos de exercício de cargos políticos, de exposição pública, com óbvias vantagens e notórias desvantagens. Ainda nas palavras de João Almeida, já estava antes de Portas e ficará depois de Cristas, a lembrar-nos o famoso Sir Humphrey do “Yes, Minister”. Mais continuidade é impossível.

Filipe Lobo de Ávila, também há muitos anos na JP primeiro e no partido depois, fez um percurso dividido entre a política e a advocacia. De espírito livre e independente, construiu desde cedo uma carreira profissional sólida fora da política, sem deixar de dizer presente quando convocado. Recuperou a eleição do deputado por Santarém, desempenhou funções de direcção no Ministério da Justiça e integrou o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Não esteve em todas, assumiu frontalmente as diferenças e foi o rosto da divergência interna com Assunção Cristas. Teve o raro mérito de renunciar ao mandato parlamentar em divergência com a direcção do CDS; a dependência não lhe assiste. O modo como conjuga afirmação e diálogo permite dizer que representa uma mudança inequívoca sem excluir ninguém e em diálogo com as diferentes sensibilidades internas.

Francisco Rodrigues dos Santos, o Chicão da JP, é o mais jovem e com menor percurso, por motivos óbvios. Criou uma dinâmica interna na JP, como já não havia memória. É extremamente activo, tem uma vivacidade cativante e um discurso que mobiliza a parte mais à direita do partido. Vive entre uma grande popularidade interna e uma manifesta incompreensão externa. Tem feito questão de se afirmar como o depositário da direita mais tradicional, mais céptica em relação ao mundo, mais proteccionista. Esta direita tem tradição antiga em Portugal e mantém um público fiel, resta aferir a sua dimensão.

Ideologicamente, reforçam-se as diferenças entre os três candidatos. Almeida, independentemente das proclamações da sua moção, representa a corrente liberal do partido. O seu pensamento conhecido sempre foi liberal, o núcleo duro liberal do CDS, o mesmo que se tem mantido unido informalmente ao longo do tempo dentro do partido, mostra-se entre os autores da sua moção e os seus apoiantes mais visíveis. Estão lá os que defendem o fim do salário mínimo, da saúde e escola públicas e da segurança social; a redução ao mínimo do Estado e a confiança na mão invisível de Adam Smith preenchem o sonho político e social do grupo.

Se o grupo de Almeida acusa Rodrigues dos Santos de querer fazer do CDS um Chega, pode-se sempre dizer que Almeida e os seus não hesitariam em fazer do CDS um upgrade da Iniciativa Liberal.

Por seu lado, Filipe Lobo de Ávila segue fiel aos pais fundadores do CDS. Na tradição do conservadorismo europeu e anglo-saxónico, não se choca com o vigor da livre iniciativa na economia, desde que regulada; defende um Estado forte nas suas funções clássicas, como a saúde, a segurança social, o ensino e as infraestruturas e acredita na obediência a uma ética de promoção do bem-estar com a pessoa no centro da acção política. O capitalismo social de mercado, enformado pelos princípios da democracia cristã, à semelhança do modelo alemão, enquadram a acção política do candidato.

Por fim, Francisco Rodrigues dos Santos, apesar de ser o mais jovem dos três, é o que representa uma visão mais tradicionalista. Dir-se-ia que Rodrigues dos Santos aposta no Deus, pátria e família a todo o transe, obviamente sem o sentido salazarista e manipulador do conceito. Os seus discursos fazem-se de exaltação do patriotismo, do primado da fé e da defesa da família tradicional. Como resposta à opressão do politicamente correcto, são altamente estimulantes, resta aferir da sua viabilidade a médio e longo prazo. É a direita mais tradicional, mais antiga e menos flexível.

Como se vê, três candidatos e três projectos perfeitamente diferenciados, a permitirem uma escolha esclarecida aos congressistas. Apesar das inequívocas diferenças, representam correntes de pensamento que têm coexistido no CDS ao longo dos anos. Representam rumos distintos, mas que terão de ser tolerantes com a diferença interna que existirá sempre. O vencedor terá de fazer esta leitura, sarar as feridas que qualquer campanha deixa e promover a união na diferença. Voltando ao princípio, consultar sempre Scruton em caso de dúvida.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.