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Libra e Calibra: o projeto do Facebook para combater a pobreza mundial através do Whatsapp e do Messenger

“Se uma mulher e um marido já estão conversar no Messenger ou no Whatsapp, por que não poderão enviar dinheiro através de uma mensagem? Deveria ser grátis e instantâneo. É por isso que estamos a começar pelo Whatsapp e pelo Mensenger”, explicou Kevin Weil, VP of Product da Calibra.
  • Kevin Weil, VP of Product, Calibra (Facebook) – David Fitzgerald/Web Summit
6 Novembro 2019, 07h48

“Há 1,7 mil milhões de pessoas no mundo inteiro que não têm acesso a uma conta bancária e que têm as suas poupanças em casa”. Esta foi uma das frases mais marcantes da palestra “Building Calibra and increasing access to the global economy”, na qual foi justificada a criação da criptmoeda Libra, que tem o selo do Facebook.

Kevin Weil, VP of Product da Calibra, foi o orador convidado que fez encher o Centre Stage da Web Summit, na Altice Arena, na manhã desta terça-feira. Uma a uma, Kevin Weil foi abordando as questões mais controversas que têm surgido a propósito da criptmoeda anunciada este ano, numa conversa que falou do propósito da inclusão financeira, da articulação com os reguladores, tocando ainda nas preocupações com a prevenção de branqueamento de capitais e, claro, explicando a separação nítida entre os dados pessoais que partilhamos na rede social do Facebook e a informação financeira que vamos disponibilizar na Calibra.

“Todas as inovações dos últimos cem anos – filmes, a televisão, a telefonia, os automóveis e até as bicicletas – há sempre resistências e toneladas de manchetes como as que estamos a ver em relação à Libra”, disse o VP of Product da Calibra. “E isso está ok”, referiu Kevin Weil.

Mas afinal, o que é a Libra?

Para explicá-la, Kevin Weil fez uma analogia com a internet. “Há trinta anos, podíamos enviar uma mensagem mas apenas para as pessoas que utilizassem a mesma rede e provavelmente custava 25 cêntimos. Podíamos fazer uma chamada telefónica mas custava entre 3 a 5 dólares por minuto. O sistema não mudava rapidamente porque só tínhamos um grupo restrito de operadores, um ecossistema fechado e elevadas barreiras à entrada e falta de concorrência”, disse.

“Depois chegou a internet e de repente passámos a ter uma infraestrutura descentralizada na qual o custo de enviar um bite de um lugar para o outro era essencialmente grátis, com poucas barreiras à entrada e com concorrência”, lembrou Kevin Weil. “De repente passámos a ter coisas como o Skype em que começámos a fazer chamadas grátis”.

“Por isso, a grande questão que nos colocámos foi: conseguiremos fazer para o dinheiro o mesmo que a internet fez com a informação?”, explicou Kevin Weil. “O sistema financeiro é um pouco semelhante àquilo que o sistema de telecomunicações fez há 25, 30 anos atrás. É um sistema relativamente fechado, com elevadas barreiras à entrada, pouca competição e no qual é difícil inovar”, referiu.

“Além disso, é caro para as pessoas. E é muito caro ser-se pobre”, salientou Kevin Weil.

Foi este o projeto que levou Kevin Weil a abandonar uma carreira no Instagram e juntar-se à Calibra. “Eu acordava de manhã e só pensava nestas ideias. Por isso saltei”, contou o VP of product da Calibra.

“Aquilo que estamos a fazer – e se tivermos êxito – será o produto mais relevante e impactante que alguma vez faremos”, vincou Kevin Weil.

O grande objetivo passa por utilizar o nosso instrumento do dia-a-dia, aquele sem o qual não conseguimos viver atualmente: o smartphone.

“Se conseguirmos alterar este ecossistema fechado para um em que toda a gente tem um telemóvel e passar ter acesso a infraestruturas financeiras com as que queremos ter, acredito que podemos tornar o mundo num lugar melhor”, disse Kevin Weil.

A democrática Libra Association

Um dos maiores receios que têm surgido a propósito da Libra é precisamente o domínio que o Facebook poderia passar a ter na nossa vida financeira, depois do domínio que tem sobre a informação dos seus utilizadores. Eis que surge a Libra Association.

“Quando começámos a pensar nestas ideias ficou claro que nenhuma empresa pudesse operar sozinha uma infraestrutura como esta. Por isso, desde o início, resolvemos criar a Libra Association”, explicou Kevin Weil. “É uma associação sem fins lucrativos, com sede em Genebra, que, quando lançarmos o produto em 2021, terá cem entidades – empresas, organizações não governamentais e académicos – que possam gerir a infraestrutura”, referiu o VP of product da Calibra.

“A Calibra é apenas uma subsidiária do Facebook e terá os mesmos direitos de voto de toda a gente”, vincou Kevin Weil.

Calibra, a carteira da Libra

Os nomes são parecidos, mas referem-se a coisas distintas. A Calibra é a carteira digital através da qual os utilizadores poderão fazer pagamentos na moeda digital – ou criptomoeda – denominada Libra.

“A Calibra vai basicamente fazer duas coisas muito simples: guardar valor (value) gratuitamente através do telemóvel e permitir que as pessoas possam enviar dinheiro para qualquer lugar do mundo, de forma instantânea”, explicou Kevin Weil.

“Quando verificamos que há 1,7 mil milhões de pessoas sem acesso a contas bancárias, realizamos que isto é importante”.

Questionado sobre que plataformas os utilizadores poderão utilizar a Calibra, Kevin Weil rematou: “Messenger e Whatsapp”, além de uma app própria.

Porquê? “O foco da Calibra são as remessas. As remessas são pagamentos transfronteiriços, geralmente efetuados entre amigos e familiares”, explicou o VP of product da Calibra. “Todos os anos, 700 mil milhões de dólares trocam de mãos em remessas e as comissões médias rondam os 7%. Por isso, temos 50 mil milhões de dólares em comissões suportadas por pessoas que têm menor capacidade de as pagar. Pior: as remessas demoram entre dois a três dias”, vincou Kevin Weil.

“Se uma mulher e um marido já estão conversar no Messenger ou no Whatsapp, por que não poderão enviar dinheiro através de uma mensagem? Deveria ser grátis e instantâneo. É por isso que estamos a começar pelo Whatsapp e pelo Mensenger”, explicou Kevin Weil.

“O Facebook tem uma posição única para (…) aumentar a inclusão financeira das pessoas no mundo inteiro”, destacou.

A separação entre o “eu” financeiro e o “eu” do Facebook

A Calibra é a subsidiária do Facebook que tem acento na Libra Association e que parece estar ao leme deste projeto. Os escândalos com o desrespeito pelos dados pessoais – como o escândalo do Cambridge Analytica – lançaram uma cortina de desconfiança à rede social criada por Mark Zuckerberg.

Poderá a Calibra padecer do mesmo vício? “A Calibra é open source”, disse Kevin Weil. “Se alguém não gostar da Calibra, poderá descarregar outra carteira digital e utilizá-la no sistema”, explicou.

Kevin Weil fez ainda questão de referir “que estão [a Calibra] publicamente comprometidos em separar a informação do Calibra da informação do Facebook”. “Por isso, qualquer informação que um utilizador utilizar na Calibra nunca será utilizada para segmentação de publicidade. Mas eu aposto que nem toda a gente na audiência [da Altice Arena] acredita em mim, mas isso está ok”, referiu Kevin Weil.

“Quando pedirmos informação, seremos muito claros sobre que tipo de informação estamos a pedir e porquê e ainda por que razões a estamos a pedir”, adiantou Kevin Weil.

Ser open source significa que outros operadores poderão construir carteiras digitais em cima da Calibra, mas utilizando a Libra. “A forma como a Libra deve funcionar consiste como o envio de um email. Podemos enviar emails independentemente do operador. Toda a gente poderá construir carteiras na Calibra e elas serão interoperacionais”, disse. “Poderemos enviar dinheiro da mesma forma que enviamos um email”, vincou Kevin Weil.

A desconfiança sobre a Libra não tem sido apenas do público em geral, mas também de reguladores. No entanto, a este respeito, Kevin Weil falou num alinhamento entre a Calibra e os reguladores.

“As conversas com os reguladores têm sido positivas e acredito que nós estamos muito alinhados”, disse. “Os reguladores querem que isto seja um sistema seguro, um sistema que previna o branqueamento de capitais. A Libra Association está completamente alinhada com isto”, rematou Kevin Weil.

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