Alguns autores que conhecem a Rússia afirmaram ao longo dos anos que a guerra na Jugoslávia, mais concretamente a intervenção da NATO na Sérvia por causa do Kosovo em 1999, terminou com as esperanças de uma parceria genuína, em termos de segurança militar e de cooperação entre a Rússia e a NATO.

Seja isto propaganda russa ou não, quando Alexei Arbatov, um académico russo que tem escrito sobre a doutrina militar do país, o afirmou, afirmou-o com o peso de quem o estuda ou faz doutrina. Na verdade, a Doutrina Militar Russa (1993) manteve-se grandemente inalterada ao longo dos anos 90. Tinha sido desenvolvida à volta de duas linhas gerais: a preparação para lidar com conflitos locais/regionais, e para gerir a diminuição da utilização do poderio nuclear, por razões ligadas à dissolução da URSS.

Obviamente, o que aconteceu na Sérvia a propósito do Kosovo é muito díspar do que está a acontecer agora na Ucrânia, mas uma questão que pode interessar é se ambas as situações se podem ou não ligar uma à outra.

Em 1999, Putin, nas funções de primeiro-ministro, um ano antes de aceder à posição que ainda hoje ocupa, já se tinha manifestado (claro!) contra a intervenção em território sérvio. O que aconteceu nos Balcãs afectaria a esfera de acção da Rússia, teria impacto naquilo que haviam sido as lógicas geoestratégicas do pós-Segunda Guerra Mundial, mas também do pré-Primeira Guerra Mundial. Mas a Rússia, apesar de ter sido colocada em segundo plano na questão do Kosovo, acabou por utilizar a distracção e efectuar uma campanha militar na Chechénia. Ou seja, pode não ter mudado a estratégia, mas mudaria a táctica? Ajustaria o alvo?

Esta conversa vem a propósito de dois aspetos. Primeiro, existe um path dependency neste tipo de acções. Isto porque as acções militares não acontecem num vácuo. É por isso que precisamos de historiadores, mesmo quando tal pode parecer a alguns um mero exercício intelectual – não o é. Segundo, porque enquanto não percebermos o objectivo final desta invasão de um país soberano, nos é permitido especular à vontade, pois não sabemos o que Putin pretende com isto tudo.

Talvez nunca venhamos a saber, mas se a História se assemelha em alguns pontos, comparar a Ucrânia com o Kosovo pode, pelo menos, ajudar-nos a pensar no futuro. No futuro que resta aos ucranianos. Como se vê pelo estado do Estado do Kosovo, tantos anos depois da intervenção, não se augura nada de muito bom para a Ucrânia.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.