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Líder da junta de Myanmar disposto a negociar com Suu Kyi após julgamento

O líder da junta no poder em Myanmar declarou-se hoje disposto a negociar pós-julgamento com a ex-dirigente Aung San Suu Kyi uma solução para a crise desencadeada no país pelo golpe de estado militar de 2021.
19 Agosto 2022, 18h08

“Assim que os processos contra ela, nos termos da lei, estiverem concluídos, consideraremos [negociações] em função da sua resposta”, declarou Min Aung Hlaing num comunicado.

Aung San Suu Kyi, de 77 anos, prémio Nobel da Paz 1991, foi detida durante o golpe de Estado militar de 01 de fevereiro de 2021 que derrubou o seu Governo e pôs fim a um breve período de democracia em Myanmar (antiga Birmânia).

Ela foi, desde então, condenada a um total de 17 anos de prisão por uma série de acusações e arrisca-se à condenação a mais décadas de prisão se for considerada culpada de outros crimes, no âmbito de um julgamento à porta fechada perante um tribunal militar.

A comunicação social não pôde assistir às audiências, os seus advogados não puderam falar à imprensa e a junta não forneceu qualquer informação sobre a data prevista para o fim do julgamento.

Em julho, um porta-voz da junta citado pela agência de notícias francesa AFP tinha declarado que não era “impossível” que o regime militar iniciasse um diálogo com Suu Kyi.

“Não podemos dizer que [negociações com Suu Kyi] sejam impossíveis”, declarou então Zaw Min Tun.

Esta semana, a enviada especial da ONU Noeleen Heyzer efetuou a sua primeira viagem a Myanmar desde que foi nomeada, em outubro de 2021, e reuniu-se com Min Aung Hlaing e outros responsáveis da junta.

A enviada das Nações Unidas apelou para o fim de toda a violência e para a libertação de todos os presos políticos e pediu ao poder para se encontrar com Aung San Suu Kyi, em isolamento numa prisão da capital.

Mas tal encontro não foi possível, e as organizações de defesa dos direitos humanos consideraram existirem poucas hipóteses de que a sua visita persuada os militares a iniciarem um diálogo com os opositores.

Enquanto figura emblemática da defesa dos direitos cívicos e humanos, Aung San Suu Kyi caiu em desgraça ainda enquanto dirigente do país após o seu silêncio sobre a perseguição metodicamente perpetrada pelas autoridades à minoria muçulmana rohingya, à qual foram sendo gradualmente retirados direitos cívicos e humanos.

A partir de 2017, após ataques de rebeldes rohingyas a postos fronteiriços no Estado de Rakhine, as atrocidades perpetradas pelas autoridades — que incluíram violações, assassínios, tortura e incêndio de aldeias rohingyas – levaram mais de 700.000 elementos daquela minoria a abandonar o país para fugir à perseguição do exército birmanês e de milícias budistas, refugiando-se em gigantescos campos improvisados no vizinho Bangladesh, o país mais pobre do mundo.

O drama rohingya levou a ONU a classificar o caso como uma limpeza étnica e a afirmar que poderia constituir um crime contra a humanidade, e o próprio Tribunal Penal Internacional (TPI), considerado uma instância judicial de último recurso, que apenas intervém quando as autoridades nacionais não têm capacidade ou vontade para julgar alegados crimes, a abrir uma investigação preliminar sobre o caso – primeira etapa de um processo que poderá levar a uma investigação formal do tribunal sediado em Haia e, eventualmente, a acusações (apesar de Myanmar não ser um Estado-membro do tribunal).

O silêncio de Suu Kyi sobre a perseguição das autoridades birmanesas aos rohingyas sob a sua liderança fez ainda com que várias entidades internacionais lhe retirassem distinções, como aconteceu com o Parlamento Europeu, que em 1990 lhe atribuíra o prémio Sakharov de Direitos Humanos e lho retirou em 2020, por considerar que ela já não representava um símbolo de liberdade e democracia.

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