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Limites às comissões vão “favorecer” bancos estrangeiros

Restrições à cobrança de comissões não se justificam porque o mercado é competitivo e colocam os bancos sediados em Portugal em desvantagem face aos concorrentes estrangeiros, diz Nuno Amado.
6 Março 2020, 11h30

O chairman do Millennium bcp está preocupado quanto às consequências das propostas que deram entrada no Parlamento para limitar as comissões cobradas pelos bancos, que representam cerca de um terço das suas receitas.

O que pensa das medidas propostas pelos partidos?
O BCP oferece pacotes que incluem um conjunto de serviços que têm um conjunto de benefícios. E os serviços e benefícios são reais. São tangíveis e estamos em concorrência. Portanto, se estamos em concorrência temos uma determinada estratégia de aproximação e há sempre a possibilidade de os concorrentes – CGD, Novo Banco, Santander, Bankinter, Montepio, CTT, entre outros – poderem competir connosco. Ao contrário do que muitas vezes se diz, a concorrência no setor bancário é muito forte. Portanto, aqui temos uma estratégia muito clara e transparente: cada serviço deve ter direito a uma comissão e cada prestação de serviços tem o seu valor justo, umas vezes com um valor que pode parecer alto porque as pessoas não se apercebem dos riscos e do trabalho que está por trás.

Mas essas comissões correspondem efectivamente a um determinado serviço que é prestado ao cliente?
Na maior parte das situações, para não dizer sempre, correspondem. O caso do MBway para mim é claríssimo, não tenho grandes dúvidas sobre o tema. No BCP, para que os clientes tenham diversos níveis de serviços, temos pacotes com vários serviços que podem ser combatidos pelos nossos concorrentes. E portanto nesta transparência a a forma como se atua a nível da banca, atráves de legislação,, não me parece que seja compatível com duas ou três coisas. A primeira é que não é compatível com um setor muito concorrencial, em que existem sete ou oito players para os mesmos serviços, já para não falar de outros estrangeiros que podem fazer esses serviços. A segunda é que não é compatível com o level playing field europeu – creio que isso é bastante claro – , o que tem efeitos não só nas condições de funcionamento de curto prazo, mas também a nível de capital e de modelo de negócio, o que pode prejudicar e pôr em causa a rentabilidade dos bancos em termos relativos. E, portanto, se formos menos rentáveis, vão pedir-nos mais capital. Mas pedirem-nos mais capital numa situação em que o capital não abunda, não me parece que seja interessante. E não é por falta de concorrência, é por não termos condições de concorrência por o level playing field não existir, na minha perspectiva.

Refere-se à concorrência de novos players, como as fintech?
Novos ou sucursais de players atuais que, nos mercados de origem, não têm estas restrições. E que, portanto, têm níveis de rentabilidade que em termos relativos são mais altos.

É o caso do Santander, por exemplo.
Do Santander e de qualquer outro banco europeu que no país de origem não tem estas restrições que afetam o modelo de negócio e obrigam a mais capital e a mais dificuldades.

Resumindo, em sua opinião estas propostas para limitar as comissões colocam a banca nacional em desvantagem face aos concorrentes estrangeiros?
Este tipo de atuação, num mercado que é muito concorrencial, num mercado que é europeu e não apenas português, obviamente que coloca em desvantagem os bancos que actuam no mercado português, cujo modelo de negócio se torna muito mais complicado. Mas não são apenas estas medidas de agora. É o acumular de medidas. E sendo uma zona com um nível de exigência que não é compatível com a concorrência aberta e sã, vai fazer com que, lógicamente, quem tem um negócio maior fora desta região saia favorecido. Esse favorecimento é de curto e de longo prazo.

Em sua opinião, com estas medidas os partidos da esquerda estão a favorecer a banca estrangeira?
Não são os partidos da esquerda. Ao se tomar estas decisões, estamos a correr o risco de os bancos baseados em Portugal terem menos futuro que os bancos baseados noutros locais e geografias dentro da Europa. E portanto, a longo prazo, em vez de estarmos a criar mais riqueza, concorrência, competitividade e empresas mais fortes em Portugal, não o estamos a fazer.

Mas compreende que para o cidadão comum, por um lado é difícil de entender porque há tanto dinheiro público a ser injectado na banca. E que é difícil entender porque cobram os bancos certos valores?
Olhe, tenho aqui a factura da EPAL. O facto de [como cliente] poder fazer um pagamento automático digital implica um investimento não só em infraestrutura mas em termos de segurança e de equipas que têm de acompanhar este processo. Como qualquer serviço, tem de ter o seu pagamento. Como disse, nós [no BCP] tentamos fazer isto em termos de pacotes. Mas estou aqui a ver a minha factura da água: de água, gastei 15 euros. Quota de serviço, 11 euros. Depois, para a Câmara, são15 euros. Para resíduos urbanos, mais nove euros. Para um adicional – que não diz mais nada a não ser “adicional” – mais três euros, depois taxas e IVA, com mais dois euros e por aí fora… ao todo, partindo de um consumo de água de 15 euros, paguei 57 euros. Este tipo de contrapartida existe em todos os sectores, em todos os formatos, sem discriminação. Quando o cliente tem um cartão ou tem homebanking, nós temos de ter um conjunto de investimentos significativos – é nos exigido isso – para mantermos a infraestrutura actualizada, segura e controlada. E portanto isso tem de ter uma contrapartida. Podemos fazer com que isto tenha um peso maior de entidades exteriores, no estrangeiro, não tem problema algum, mas para isso teremos de transferir emprego, riqueza e capacidade, para fora.

A consolidação entre bancos, que permitira uma maior racionalização de estruturas, não seria uma solução para esses desafios?
É uma boa pergunta, mas sobre isso não vou falar.

E a nível de corte de custos?
Todos os bancos têm de fazer um esforço significativo para serem eficientes. Todos os bancos. Não há ninguém que escape a isso. O próprio BCE diz que os bancos têm de ir para um novo patamar de eficiência, por causa, entre outras razões, do nível de taxas de juro negativo. Esse é outro tema. Não é só nas comissões. Também no nível das taxas de juro temos uma situação de partida mais negativa do que os nossos concorrentes. E portanto também aí não temos vantagens face aos outros bancos europeus, devido a restrições ativas que temos. Como diz com toda a razão o Dr. Miguel Maya, que é o CEO e tem a presidência executiva deste banco, não passou pela cabeça de ninguém debitar taxas de juro negativas nos depósitos dos nossos clientes, sejam eles residenciais ou empresariais, de pequena ou média dimensão. Não faz sentido nenhum pensar nisso. Agora, não podemos é ter empresas internacionais de grande dimensão a pôr depósitos em Portugal porque lá fora podem ser cobrados e em Portugal não podem ser cobrados. Coloca-nos numa situação de desvantagem a nível de taxas de juro. Dito isto, o BCE diz [aos bancos] que têm de melhorar a eficiência. Melhorar a eficiência é aumentar o negócio – que é o que estamos a fazer – e controlar custos.

As medidas que estão em cima da mesa vão tornar ainda mais necessário esse foco na eficiência?
Contrariamente ao que foi dito, não tem nada a ver com uma forma de pressão sobre ninguém. Não há nada, não há mesmo. Sou português, sempre trabalhei em Portugal e tenho um foco muito claro que é não deixar que este país deixe de ter empresas com dimensão e de valor acrescentado significativo. Portanto o que me pesa, neste processo, é estarmos a criar condições mais gravosas para quem está cá e para o negócio que é feito cá, do que para o negócio que é feito fora, em sistema concorrencial. Se fosse um sistema monopolista, oligopolista, diria que entendia. Mas não é o caso. Portanto, deixem-nos trabalhar e não coloquem no mercado europeu condições que são mais gravosas para serviços realmente prestados. Se houver situações de serviços não prestados cobrados, entendo que nesse caso o regulador – o Banco de Portugal – tem condições para atuar. Mais legislação torna as coisas mais complexas.

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