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Livro: “A Montanha Viva”

Com grande sensibilidade e poder de observação, Nan Shepherd explora e documenta pedras, cursos de água, fauna e flora das Terras Altas do nordeste escocês. Poderia ser uma peregrinação budista à montanha, diz-nos a autora.
18 Junho 2022, 09h25

“Das plantas que têm a sua fragrância nas folhas, o mirto dos lodaçais é o ‘ex libris’ da montanha. Este arbusto cinzento-esverdeado enche as reentrâncias lodacentas, ladeado pelo linho dos brejos e pela rorela, pelos asfódelos dos lodaçais, pela orquídea manchada comum e pelos minúsculos cálices escarlates dos líquenes. A sua fragrância é fresca e pura, e tal como o tomilho selvagem, é mais forte quando esmagado.”

 

 

Alguma da melhor escrita da natureza está relacionada com a Escócia. “A Montanha Viva” é um desses livros, chegando mesmo a ser considerado por alguns – tal como o jornal “The Guardian” ou Robert Macfarlane, talvez o nome mais sonante na atualidade no que respeita a este género literário, e que assina a introdução a esta obra – o melhor sobre a paisagem da Grã-Bretanha.

Neste livro, escrito durante a Segunda Guerra Mundial e que aguardou três décadas até à sua publicação, a autora descreve as suas extraordinárias e múltiplas viagens às montanhas Cairngorm, parte da cordilheira Grampian, nas Terras Altas do nordeste escocês, uma região indomada, onde ainda se pode encontrar esse bem precioso que vai desaparecendo com a crescente urbanização do planeta: o silêncio. Aqui, Shepherd encontra um mundo que tanto pode ser avassaladoramente belo como chocantemente agreste.

Testamento lírico de homenagem a uma cadeia montanhosa, “A Montanha Viva” é, simultaneamente, uma obra profundamente enraizada no conhecimento do mundo natural e uma meditação poética e filosófica sobre o desejo humano de atingir lugares a grande altitude e, em particular, com carácter sagrado. Ao comparar as suas explorações pela natureza com uma peregrinação budista à montanha, revela o grau de espiritualidade associado à relação que cultivava com a natureza.

Com grande sensibilidade e poder de observação, Nan Shepherd explora e documenta pedras, cursos de água, fauna e flora característica da região, incluindo os aspetos mais ocultos desta paisagem de enorme beleza, partilhando admiravelmente com os leitores a magnificência destas montanhas e discorrendo sobre a nossa relação imaginativa com o mundo selvagem que nos rodeia e do qual nos fomos, aos poucos, afastando.

Anna (Nan) Shepherd nasceu em 1893 e morreu em 1981, em Aberdeen. Escreveu livros de ficção tendo como pano de fundo as comunidades rurais do seu país natal e poesia modernista e lecionou Literatura Inglesa a futuros professores até à sua reforma, em 1956, tendo inspirado centenas de alunos; a abordagem feminista das suas aulas mostra que era uma mulher à frente do seu tempo.

O livro foi publicado pelas Edições 70, com tradução de Jorge Melícias.

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