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Livro: “A Vertigem Horizontal”

Este é um livro em total sintonia com a opinião do autor, Juan Villoro, de que os cronistas memoráveis são como os grandes músicos de jazz: improvisam a eternidade. Crónicas do México para todo o sempre.
2 Abril 2022, 10h55

A Cidade do México é uma das maiores metrópoles do mundo. Com os seus mais de 21 milhões de habitantes, está em quinto lugar na lista das mais populosas. E não é só na perspetiva de quem olha de Portugal que uma cidade desta dimensão pode ser tão fascinante quanto esmagadora. Há, pelo menos, um mexicano cujas crónicas revelam este misto de perplexidade, maravilhamento e olhar crítico.

Em “A Vertigem Horizontal. Uma Cidade Chamada México”, agora publicado em português pela Faktoria K de Livros, uma chancela da Kalandraka, com tradução de Helena Pitta, o escritor e jornalista Juan Villoro, que aqui nasceu em 1956, compõe um enorme fresco do eterno caos mítico e simultaneamente intimista da capital do seu país.

Com um olhar sempre crítico, atento e pontualmente emotivo, convida o leitor a segui-lo, do princípio ao fim, ou então, numa espécie de zapping, a escolher, como se de um deambulante ou de um viajante do metro se tratasse, as linhas de viagem que mais lhe interessam: do viver na cidade às personagens, dos sobressaltos às travessias e dos lugares às suas cerimónias.

Nesta cidade fervilhante de vida, Villoro vai entrelaçando História com histórias. Por exemplo, ao referir a praça de Santo Domingo, a sua preferida, descreve uma cena do quotidiano que facilmente associamos a esta e tantas outras cidades da América Latina: nas suas arcadas, encontramos os ‘evangelistas’, “que durante anos redigiram cartas para os namorados a quem sobrava o amor e faltava ortografia, e que com o tempo se integraram na actividade abrangente da pirataria de documentos”.

Ou ainda quando se debruça sobre os vendedores ambulantes dos famosos ‘tamales’ de Oaxaca – anunciados de forma parecida com a das nossas castanhas: “O que esses petiscos têm de melhor é a mensagem que transmitem. Há dias péssimos em que tudo corre mal e em que sentimos nas fontes uma coroa de espinhos para a qual não existem analgésicos. Nessa altura chega um sinal de esperança: a vida é um desastre, mas os ‘tamales’ de Oaxaca continuam quentinhos”.

Assumindo múltiplos papéis, Juan Villoro é, simultaneamente, jornalista, transeunte, comprador de canetas, adulto nostálgico, pai responsável e, à sua maneira de urbanita recalcitrante, ‘flâneur’. Mas o autor não se alimenta apenas das experiências pessoais, estando particularmente atento ao que ouve dos outros, recorrendo inclusivamente à investigação das realidades alheias, como é próprio de um jornalista.

Este é um livro em total sintonia com a opinião de Villoro de que os cronistas memoráveis são como os grandes músicos de jazz: improvisam a eternidade.

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