Livro: “Apeirogon”

Eis que um livro pode confirmar como só com diálogo haverá solução para o conflito israelo-palestiniano. Nele há muita dureza mas também poesia. E dois homens que perderam as suas filhas. E uma amizade (in)explicável.

 

Há livros que deviam de ser de leitura obrigatória e este “Apeirogon” é um deles.

Nesta nova fase da vida em Israel, com um novo governo de coligação, sob a batuta de Naftali Bennett e juntando quase todo o espectro político, da direita à esquerda e incluindo o apoio de um partido árabe, e sem Benjamin Netanyahu e o seu Likkud, eis que um livro pode confirmar como só com diálogo haverá solução para o conflito israelo-palestiniano.

Com edição em português da Porto Editora, e mantendo o título original, este é um livro de uma humanidade impressionante, em que McCann entretece, de forma magistral, histórias à volta de um dos mais intensos e duradouros focos de violência em todo o mundo. Mas não só, já que a narrativa é entrecortada por pequenas outras histórias, aparentemente desconexas, mas que o leitor acaba por encaixar no tremendo puzzle que é a vida num território cuja dimensão é inversamente proporcional ao peso simbólico na História da Humanidade.

É que aqui, a geografia é tudo.

Rammi Elhanan e Bassam Aramin moram perto um do outro – contudo, habitam mundos completamente diferentes. Rami é israelita. Bassam é palestiniano. A matrícula de Rami é amarela. A matrícula de Bassam é verde. Rami demora 15 minutos até à Margem Ocidental. Bassam demora uma hora e meia a fazer o mesmo percurso.

Ambos perderam as suas filhas. Smadar, filha de Rami, de 13 anos, foi morta por um bombista suicida. Abir, filha de Bassam, de 10, foi atingida por um membro da polícia fronteiriça, junto à escola. Trazia um doce no bolso que ainda não tinha tido tempo de comer.

Rami e Bassam tornam-se melhores amigos.

Colum McCann atravessa séculos e continentes, entrelaçando tempo, arte, história, natureza e política numa tapeçaria de amizade, amor, perda e pertença. Este é um livro para todos os que se interessam pela história conturbada deste cantinho do mundo e que ainda conseguem apreciar a poesia inerente à vida humana, que desponta mesmo nas piores circunstâncias.

Duro (por exemplo, o que acontece aos corpos depois do ataque de um bombista suicida), chamando as coisas pelos nomes e apontando nas várias direções (por exemplo, como apareceram as balas de borracha), pois em todas há culpados, mas, ao mesmo tempo, profundamente tocante, “Apeirogon”, finalista do Prémio Booker de 2020, é o sétimo romance do muito premiado autor irlandês Colum McCann.

Cofundador da Narrative 4, a organização sem fins lucrativos de intercâmbio de histórias que lhe permitiu conhecer Rami e Bassam, McCann é atualmente professor no Hunter College MFA Creative Writing Program, e vive em Nova Iorque com a família.

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