[weglot_switcher]

Livro: “O Africano da Gronelândia”

Eis o relato da viagem de dez anos, por terra e mar, da África ocidental até ao Círculo Polar Ártico, que o autor, o togolês Tété-Michel Kpomassie quis fazer e levou a cabo. As suas observações passaram a livro, editado pela primeira vez em 1981. A edição portuguesa é agora lançada.
26 Março 2022, 10h11

 

Quando o togolês Tété-Michel Kpomassie, nascido num bairro periférico de Lomé, leu sobre a Gronelândia numa livraria da cidade, nos anos 1950, ficou obcecado com a vontade de viajar até essa terra distante, cheia de gelo e neve.

Com apenas 16 anos, foge de casa. Entre 1958 e 1965, aprendendo línguas e literatura e trabalhando nos mais variados empregos — de tradutor em embaixadas a lavador de pratos em restaurantes —, progride rumo a norte, passando por várias cidades e países e fixando‑se longos meses em Paris, onde estabelece uma profunda amizade que será capital para o seu objetivo.

Tété‑Michel chega finalmente à Gronelândia em junho de 1965, onde permanecerá por cerca de dezasseis meses, viajando pela costa, de sul para norte, quase até Thule (Qaanaaq, na língua local), uma das cidades mais setentrionais do mundo. Vai travando conhecimento – nalguns casos, amizade – com os habitantes desta que é a maior ilha do mundo. Dado que, para muitos Inuit, Tété-Michel é o primeiro negro que veem, a curiosidade que desperta é imediata, sendo várias as portas que se abrem no seu caminho, apesar da dureza da vida local.

Livro de memórias e de observação antropológica, “O Africano da Gronelândia” é o relato dessa viagem de dez anos, por terra e mar, da África ocidental até ao Círculo Polar Ártico – ou seja, do calor tropical para o frio glacial –, da longa estadia insular e de como aprendeu sobre o modo de vida dos Inuit, tarefa facilitada pelo facto de ser acolhido nas casas destes.

Assinalem-se as profusas descrições de usos e costumes (como as viagens de trenó, pescarias, caça às focas ou comemorações do Natal e Ano Novo; mas, também, os aniversários, as festas, a peculiar – aos nossos olhos, naturalmente – gastronomia, o alcoolismo ou o extraordinário consumo de café e, em particular, a liberdade sexual e a ausência de ciúme), as poéticas observações sobre os dias estivais – em que o sol não se põe –, a longa noite polar e as auroras boreais, assim como as pertinentes comparações com o seu país.

Kpomassie regressa ao Togo em janeiro de 1969 iniciando, pouco depois, um périplo de dois anos por dezenas de países da África ocidental e equatorial. A certa altura, deparou-se com o problema da ausência de palavras na sua língua para explicar a neve (recorde-se que, consta, os Inuit terão mais de 50 palavras para a descrever). Tentou, usando a imagem de pássaros brancos no céu aos quais caem todas as penas de repente.

Em 1981, o seu diário da Gronelândia é pela primeira vez publicado em livro, tendo conhecido até hoje várias edições e traduções. Aquando da sua reedição em França, em 2015, inclui um posfácio – que também consta da edição portuguesa, da Tinta da China – onde narra o que se seguiu à aventura gronelandesa.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.