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Livro: “O rio Amur”

Rio abaixo, até à foz onde morreu o sonho imperial russo do século XIX, e onde o escritor britânico Colin Thubron descobriu um novo mundo. Entre numerosas peripécias e deportações iminentes que não chegam a acontecer.
30 Julho 2022, 10h12

Aos 80 anos, Colin Thubron é, muito provavelmente, o melhor escritor de viagens britânico vivo. Tendo reavivado os seus conhecimentos de Russo e Mandarim, quem melhor para relatar uma viagem ao longo do Amur? Este é o 10.º maior rio do mundo, que nasce nas montanhas da Mongólia e atravessa a Sibéria, para desaguar no Pacífico, demarcando ao longo de grande parte do seu percurso a fronteira entre a Rússia e a China.

 

A cavalo pelas imensas paisagens mongóis, à boleia à entrada em território russo, de barco e a bordo do Transiberiano, Thubron fala com as pessoas com quem se cruza: comerciantes chineses, pescadores russos, monges, russas em turismo em território chinês, etc…  Quando chega à foz do rio, onde morreu o sonho imperial russo do século XIX – sobre os do século atual também se fala nestas páginas –, um novo mundo se abriu aos seus olhos.

Para além destes encontros, Colin Thubron vai narrando os factos históricos que marcaram as regiões que atravessa, de Gengis Cã a Putin e Xi Jinping. E o livro é riquíssimo em pequenas histórias – algumas bastante emblemáticas do atual sentimento russo para com o Ocidente, como se pode perceber pela seleção que se segue.

Batmonkh, o guia-tradutor mongol que acompanha Thubron pela Mongólia, no início da sua viagem, é filho de pai angolano e de uma mongol. Os seus pais conheceram-se na Universidade Patrice Lumumba (ou da Amizade dos Povos), em Moscovo, por onde passaram – e ainda passam – tantos jovens africanos.

Na cidade de Sretensk (onde o anarquista Mikhail Bakunin embarcou rumo a leste, tentando fugir do exílio siberiano, e Tchéckhov parou a caminho da ilha de Sacalina), enquanto Thubron aguarda que chegue o barco, a polícia leva-o para a esquadra, intrigada com uma estadia tão longa (cinco dias) numa cidade tão pouco turística – mas geopoliticamente muito relevante. A iminente deportação acaba por não acontecer, ainda que sem qualquer explicação. Voltará a sofrer a suspeição por parte das autoridades policiais no lado chinês da fronteira (aparentemente, turistas ocidentais não visitam aquelas paragens).

Depois de passar em Khabarovsk, já no Extremo Oriente, a apenas 30km da fronteira chinesa, enquanto aguarda a partida para o último troço da sua viagem, em que será acompanhado por dois pescadores, depara-se com mais uma das tremendas ironias da História russa: no cemitério de Komsomolsk-na-Amure (como o nome indica, a cidade foi fundada por um grupo de jovens pioneiros soviéticos) jazem muitos membros das máfias que atuavam na região, antes de Putin ter enviado o FSB (ex-KGB) para resolver o problema, uma vez que prejudicava o investimento estrangeiro.

Colin Thubron nasceu em Londres, a 14 de junho de 1939. É autor de diversos livros de viagem, tendo começado a escrever sobre esta zona do globo em 1983 (“Among the Russians”). Escreveu também sobre as suas viagens nas novas repúblicas asiáticas, surgidas da desagregação da União Soviética, e, em 1999, sobre a Sibéria. Colabora regularmente no “The Times”, “The Times Literary Supplement” e na revista “The Spectator”, sendo membro da Royal Society of Literature desde 1969.

Da Relógio d’Água, com tradução de Ana Reis, eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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