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Livro: “Os Pianos Perdidos da Sibéria”

Esta é uma viagem através de dois séculos de história russa e oito fusos horários, pela pluma da britânica Sophy Roberts, que além da escrita se partilha por programas de rádio, podcasts e conferências para a BBC, The Royal Geographic Society, “The Economist” e “Financial Times”, entre outros.
23 Julho 2022, 09h18

Normalmente, a Sibéria é sinónimo de invernos longos e rigorosos, de sofrimento, exílio, prisão, campos de trabalho forçado e morte. Felizmente, a Sibéria é muito mais do que isto, apesar de, infelizmente nalguns aspetos, também ser ou ter sido isto. E quando falamos da Sibéria (ou mesmo da Rússia), até os superlativos parecem pequenos – só em área, se fosse um país, seria o maior do planeta, ainda que com uma escassa densidade populacional.

 

 

Tal como a conhecemos hoje, a Sibéria é o resultado de uma longa e algo brutal colonização por parte dos russos, principalmente a partir do século XVIII. Até lá, abrigou diversos povos nómadas, como os Hunos ou os Uigures. Mas, com a construção da ferrovia – a mais longa linha ferroviária do mundo (9.289 km), um memorável feito de engenharia –, iniciada em 1891, durante o reinado do czar Alexandre III (apesar de o projeto ter sido começado ainda pelo seu pai, Alexandre II), o processo acelerou fortemente e, ao longo do século XX, surgiram diversas cidades industriais nesta região, uma das mais ricas em recursos naturais.

O clima adverso e as distâncias desumanas eram demasiado tentadores para um qualquer autocrata ou aprendiz de déspota, pelo que o exílio de oponentes políticos – ou meramente de cidadãos que fossem contra o estado das coisas ou gostassem de pensar pela sua própria cabeça – começou cedo. Com Estaline, já não eram necessárias razões para os enviar para o exílio, ou seja, para a morte.

Durante o tempo dos czares, os mais felizardos – e que eram da nobreza – puderam levar a família e a mobília. Entre os objetos, um ou outro piano. Uma das histórias mais marcantes desta época foi protagonizada pelo príncipe Sergei Volkonsky – que inspirou a personagem do pai de Andrei, em “Guerra e Paz” –, exilado devido à sua participação na revolta falhada dos Dezembristas (a 14 de Dezembro de 1825), e a mulher, Maria, com quem tinha acabado de casar (e que recebeu um piano de presente da sua cunhada). Podemos encontrá-los também em “Natasha’s Dance”, de Orlando Figes, uma extraordinária história cultural da Rússia e, provavelmente, o livro que melhor explica a dita ‘alma russa’.

Também em Magadan, na região de Kolimá, onde ficavam os mais infames ‘gulags’, se tocava piano, havendo orquestras de prisioneiros, encarregadas de proporcionar momentos culturais aos restantes condenados.

“Os Pianos Perdidos da Sibéria”, da britânica Sophy Roberts, é uma caça a esses pianos; uma viagem através de dois séculos de história russa e oito fusos horários. É verdadeiramente extraordinário como instrumentos musicais tão delicados resistiram às longas e difíceis viagens, e logo para lugares onde o gelo e a neve podem perdurar por oito ou noves meses. Que, para além disso, ainda estejam em condições de serem usados para fazer música numa paisagem tão hostil é um autêntico milagre. Provavelmente, tão incrível como ouvir acordes delicados depois de um dia desumano de árduo trabalho forçado.

Sophy Roberts é uma escritora cujo trabalho se centra nos lugares selvagens, da Papua-Nova Guiné ao Congo. Licenciada pela Universidade de Oxford, tem um mestrado em jornalismo pela Universidade de Columbia. Colabora regularmente em programas de rádio, podcasts e conferências para a BBC, The Royal Geographic Society, “The Economist” e “Financial Times”, entre outros.

Foi também correspondente especial das revistas “Condé Nast Traveler” e “Departures”, editora de viagens de “The Economist 1843” e colunista da revista “How to Spent It” do “Financial Times”. Continua a escrever como freelancer para “FT Weekend”, “The Wall Street Journal”, “Travel + Leisure” e Bloomberg, entre outras publicações. Este é o seu primeiro livro e saiu agora em português, na Temas e Debates, com tradução de Artur Lopes Cardoso.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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