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Livro “Um Almoço de Negócios em Sintra”

Um nome grande da literatura neerlandesa, Gerrit Komrij, fixa-se em Portugal em 1984, primeiro em Alvites e depois em Vila Pouca da Beira. O seu registo é humorístico e, apetece dizer neste caso, que foram precisas três horas para não fechar negócio nenhum…
10 Junho 2022, 10h50

Há milhares de livros escritos por estrangeiros sobre países onde decidem viver ou para onde são enviados em trabalho, como Itália, França ou Grécia. Mas, sobre Portugal a produção conta-se quase pelos dedos de uma mão; vá, duas para sermos mais otimistas e fazer jus ao trabalho de pesquisa de Maria Filomena Mónica em “O Olhar do Outro. Estrangeiros em Portugal: do Século XVIII ao século XX” (edição da Relógio d’Água).

E não é que não tenham por cá passado – Byron, por exemplo, referiu Sintra, onde pernoitou, em cartas, mas não em livro; o romeno Mircea Eliade deixou a sua estadia registada no diário; o húngaro Arthur Koestler, que se limita a incluir umas referências a Lisboa em dois dos seus livros de ficção; entre outros –, mas são poucos os que tratam de passar a escrito as suas vivências em Portugal. O que é tão mais lamentável quanto, se virmos bem, temos muitas razões para nos rirmos de nós próprios e, por vezes, é preciso vir alguém de fora para no-lo fazer notar.

Gerrit Komrij é um nome grande da literatura neerlandesa, tendo protagonizado diversas polémicas que ficaram. Nascido em março de 1944, em Winterswijk, fixa-se em Portugal em 1984, primeiro em Alvites e depois em Vila Pouca da Beira, no concelho de Oliveira do Hospital. É nesses anos que escreve “Atrás dos Montes” (publicado pela Asa em 1997), este “Um Almoço de Negócios em Sintra” – também da Asa e esgotado há anos, eis que surge de novo nas livrarias pelas mãos da Guerra & Paz, com tradução de Fernando Venâncio, linguista e autor de “Assim Nasceu uma Língua” – e ainda a antologia poética “Contrabando” (Assírio & Alvim, 2005). Em 1993, recebe o prémio P. C. Hooftprijs, o principal prémio literário dos Países Baixos, e, no ano 2000, é escolhido pelo público como Poeta da Nação. Morre a 5 de julho de 2012, em Amesterdão, mas é enterrado perto daquela que considerava, de facto, a sua casa, em Vila Pouca da Beira.

Como se pode depreender pelo título e pela frase usada pela editora para divulgar o livro – “Eu sou um apaixonado por Portugal, mas não um apaixonado cego” –, o registo é humorístico e a visão de Portugal e dos portugueses crítica q.b.

“Um Almoço de Negócios em Sintra” – no texto que dá título ao livro, o autor narra um almoço de três horas onde, afinal, não se fecha negócio nenhum – é um misto de conto, crónica e memória, e mostra-nos o olhar satírico, enternecedor e humano do autor, numa linguagem mordaz e irónica. Ficam uns excertos: “O relógio da aldeia bate onze vezes. É já, portanto, meio-dia e cinco”; “Uma conversa portuguesa consiste numa corrente vocabular irreprimível, durante a qual é de preceito as pessoas recurvarem-se uma para a outra em jeito de conjura e olharem-se profundamente nos olhos. A impressão é sempre de grande intimidade, mas as pessoas ficam-se cuidadosa e receosamente por superficialidades. Conversas, portanto, sobre os filhos, a família, as doenças deste e os maus-passos daquele. Nunca uma só confidência pessoal.” Ou ainda, sobre a burocracia lusa, “Certa vez em que, devido a uma cruzinha errada, fiquei a pertencer ao sexo feminino, custou-me dez formulários para repará-lo, quando uma simples olhadela, espero eu, teria bastado.”

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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