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Livro: “Viagens de Mandeville”

A literatura de viagens medieval tinha os seus cânones. Um deles era a descrição de povos grotescos que viveriam do outro lado do mundo. Mandeville, ao narrar as “suas” viagens, não impôs qualquer travão à sua imaginação.
13 Agosto 2022, 10h11

“Há muitos tipos de gente diferente nessas ilhas [Adaman, a sul do Sri Lanka, segundo o autor]. Numa delas, há uma raça de grande estatura, como gigantes, ordinários e horríveis de se verem; só têm um olho, no meio da testa. Comem carne crua e peixe cru. Noutra parte, há gente feia sem cabeça, com um olho em cada ombro; as suas bocas são redondas, como uma ferradura, no meio do seu peito. Ainda noutra parte há homens sem cabeça que têm o rosto nas costas.”

 

 

A desinformação – ou notícias falsas, como hoje é mais corrente ouvir – não foi inventada por estes dias. Aliás, quase nada foi inventado por estes dias, como nos ensina a História, se tivermos tempo de a consultar.

A literatura de viagens medieval tinha os seus cânones e um deles era precisamente a descrição de povos grotescos que viveriam do outro lado do mundo. Do grego Ctésias, médico na corte persa de Artaxerxes II, o costume passou para Heródoto, chegando incólume – aliás, até bastante mais expandido – à Idade Média; os mapas da época mostram-nos curiosas ilustrações destes seres bizarros.

Para além de instigar viagens, criaturas semelhantes às descritas em “Viagens de Mandeville” enriqueceram a literatura. Em “A Tempestade”, de Shakespeare, Próspero convoca-as e Antonio e Gonzalo referem-se-lhe, na mesma peça; Geoffrey Chaucer, autor de “Contos da Cantuária” ou o corsário Sir Walter Raleigh também terão lido o livro.

Para alguns, Sir John Mandeville terá sido um viajante inglês que correu mundo; outros pensam que seria antes o francês Jean de Mandeville. O seu livro “Viagens” foi publicado no século XIV, tendo-se tornado um dos mais lidos e traduzidos em toda a Europa (desde 1350 teve 250 versões manuscritas e 120 edições – um verdadeiro campeão de vendas europeu), espicaçando espíritos mais curiosos e servindo de base a viagens como as dos descobridores portugueses, de Cristóvão Colombo ou mesmo expedições russas e inglesas. Contudo, não se sabe se Mandeville existiu realmente, se se trata de um pseudónimo, se as viagens que relata foram feitas por si ou por outrem ou mesmo se se poderá tratar da fusão de duas ou mais pessoas.

A ter existido, o cavaleiro Mandeville terá iniciado as suas viagens em 1332. Em peregrinação à Terra Santa, deambulando pela Índia, Pérsia, Cáucaso ou à volta da bacia do Mediterrâneo, as suas descrições revelam um mundo cheio de reinos maravilhosos, com palácios faustosos e paisagens esplêndidas. No regresso, instalou-se num convento em Liège, onde morreu em 1372. Verdadeiras ou não, as viagens de Mandeville por vezes recordam as de Marco Polo.

Editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, com introdução, tradução e notas de Clara Pinto Correia.

Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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