A preocupação em manter as populações no “interior” é um ideal que choca com a tendência universal: em breve 80 por cento da população europeia viverá em cidades. É uma noção medieval que persiste em considerar que Portugal tem um “interior” esquecido que clama pelo regresso de Sancho I, o Povoador, e que tem um litoral, em particular Lisboa, onde tudo é maravilha. Esta perceção foi agigantada pela cobertura mediática e política dos fogos florestais.

Na realidade, para além de Madrid, na península, hoje só existe litoral. Esquecido está que existe uma mega-região criativa que ocupa o território entre Setúbal e A Corunha e para onde a imigração é inevitável. E também nessa grande região há muitos “interiores” esquecidos, povoados por um submundo surpreendente.

Há ainda em Portugal quem avalie as distâncias entre dois pontos em quilómetros e não em tempo despendido. Persiste a noção que 300 quilómetros são uma distância muito grande. De facto, de carro, é relativamente moroso, embora muitos brasileiros percorram essa ou maiores distâncias para ir à praia, ou muitos espanhóis apenas para almoçar noutra cidade. Os de Badajoz vão à Praia da Figueirinha na Arrábida, Setúbal.

Outro problema é esquecer que há poucos portugueses. Dezenas de presidentes de câmara em todo o mundo governam mais gente que o primeiro ministro português. Wuhan tem mais de 10 milhões de habitantes e como ela há 20 cidades no mundo com população idêntica ou muito superior à de Portugal. O município de Chongqing, China, tem mais de 30 milhões de habitantes.

A melhor opção é maximizarmos recursos, funcionar organizadamente e com objetivos estratégicos claramente definidos. O Estado tem o dever de contrariar o apelo irresistível, e para muitos, inevitável, da grande cidade. O objetivo é apoiar o desenvolvimento das pequenas cidades mais distantes do extremo litoral que sejam capazes de sustentar indústrias-âncora que absorvam na medida do possível os formados nos respetivos estabelecimentos de ensino superior ou politécnico, de modo a manter os descendentes dos desamparados envelhecidos o mais perto possível da sua região. Mas é difícil porque há poucos empregos qualificados. E há a questão do tempo de viagem.

Na sequência do meu artigo “Montijo, Alcochete, Alverca? Beja!”, que aqui escrevi sobre a localização de um eventual novo aeroporto para Lisboa, descobri que idêntico debate sobre a alta velocidade e localização de aeroportos ocorre no Reino Unido. Há em Inglaterra “um norte esquecido”.

Por um lado, o governo britânico vê na alta velocidade um meio de contrariar o empobrecimento económico dessa região outrora altamente industrializada. Por outro, os defensores da ampliação do aeroporto de Heathrow temem que o primeiro-ministro Boris Johnson esteja a promover, como argumento político eleitoral, a construção da linha de alta velocidade a partir de Londres conhecida por HS2, numa primeira fase até Liverpool e Manchester, e cujo último destino será (seria?) Edimburgo e Glasgow, na Escócia.

Temem que Johnson esteja a querer utilizar HS2 como meio para transformar o aeroporto de Birmingham em terminal de Heathrow, cuja ampliação não é popular entre os eleitores do Partido Conservador que vivem nos subúrbios do aeroporto londrino, para além da vantagem em recompensar os eleitores do norte de Inglaterra que votaram pela primeira vez em dezenas de anos no Partido Conservador.

Fui ver os números britânicos. A atual distância por carro entre a estação londrina de Euston, de onde parte o HS2 em direção ao norte, e o aeroporto de Birmingham, cuja designação no projeto HS2 é Birmingham Exchange, é praticamente igual à de Lisboa a Beja – cerca de 170 quilómetros. O comboio de alta velocidade HS2 percorrerá aquela distância em apenas 38 minutos, igual ao meu cálculo de leigo para a viagem em alta velocidade entre Lisboa e Beja.

Peço, se faz favor, ao senhor primeiro ministro britânico que dê uma palavrinha ao senhor primeiro ministro português para lhe explicar as vantagens em pensar estrategicamente em conjunto o transporte terrestre em alta velocidade e o transporte aéreo (e o transporte marítimo), enaltecendo as vantagens políticas, económicas e ambientais da alta velocidade e dando como exemplo a deslocalização da ampliação de Heathrow para um aeroporto que já existe em Birmingham, tal como existe em Beja, o único em Portugal capaz de receber os A380.