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Luísa Clode: “Há milhares de pedidos de nacionalidade pendentes devido à falta de recursos” nas conservatórias

A presidente da comissão organizadora do XXII Congresso Internacional de Direito Registal e secretária-geral da direção da Associação Sindical dos Conservadores dos Registos disse ainda ao JE que espera a atualização das ‘apps’ do registo civil, predial, comercial, de automóveis e da nacionalidade.
20 Maio 2022, 17h00

A semana que está prestes a terminar foi marcada pelo XXII Congresso Internacional de Direito Registal – IPRA CINDER, que reuniu no Porto 500 participantes de mais de 40 países durante três dias. A presidente da comissão organizadora, Luísa Clode, falou com o Jornal Económico (JE) sobre a digitalização neste sector, o impacto da guerra na Ucrânia e a necessidade urgente de atualização das apps e maior interconexão da informação entre países.

O congresso teve como oradores os bastonários da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, a presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) ou a presidente do Instituto dos Registos e do Notariado. O evento – que contou ainda com advogados como João Tiago Silveira, sócio da Morais Leitão – foi encerrado na quarta-feira com o secretário de Estado da Justiça, Pedro Ferrão Tavares.

A nível internacional, destacaram-se a diretora geral dos Registos e do Notariado de Espanha, representantes do Instituto dos Registo Imobiliário do Brasil, da Direção de Justiça da Comissão Europeia, de instituições registais de países de África e da América Latina, entre outros. “Para além da parte científica de elevada qualidade, foi um momento de reencontro e de confraternização entre registradores de todo o mundo”, secretária-geral da direção da Associação Sindical dos Conservadores dos Registos (ASCR) e secretária-geral da direção da European Land Registry Association (ELRA).

A partir de junho, o arquivo de escrituras, registos e certidões estarão acessíveis por via eletrónica. É uma medida que peca por tardia?

As certidões de registo civil, predial e comercial já estão disponíveis online há mais de uma década. Do mesmo modo todos os documentos que servem de base à prática dos atos nestas áreas também se encontram digitalizados há mais de uma década. Por esse motivo já existe um arquivo eletrónico de todas as escrituras que serviram de base aos atos de registo, as quais, porém, devido à força probatória da informação registal, não carecem de ser consultadas para que as partes possam efetuar os seus negócios jurídicos ou fazer prova dos seus direitos em tribunal, perante a administração pública ou quaisquer outras entidades.

O facto de o sistema registal português disponibilizar informação, por exemplo, sobre a propriedade de um imóvel e sobre as hipotecas ou outros encargos torna a contratação e a prova mais simples e económica. Qualquer cidadão que pretenda vender a sua casa, comprovar em tribunal que é proprietário, cancelar uma penhora ou mostrar perante uma autarquia que tem legitimidade para requerer autorização para efetuar obras no seu imóvel basta apresentar a certidão de registo predial (ou o respetivo código online).

Antevê outros avanços informáticos?

Contamos que as aplicações informáticas do registo civil, predial, comercial, de automóveis e da nacionalidade sejam efetivamente modernizadas, pois foram implementadas a partir de 2005, criando-se novas ferramentas que facilitem a concretização de tarefas burocráticas, nomeadamente de estatística e de comunicações com as partes e com outras entidades.

Devido à crise na Ucrânia, a política migratória teve de ser revista em Portugal. Os notários estão a conseguir gerir o volume de processos? A cidadania é, efetivamente, uma ferramenta eficaz de integração dos refugiados nos dias de hoje?

A concessão da nacionalidade é uma manifestação da soberania do Estado, da competência exclusiva do Ministério da Justiça, e assim deve continuar a ser. Os processos de nacionalidade são tramitados e decididos pelos conservadores de registo civil, na Conservatória dos Registos Centrais e nas conservatórias do registo civil. A cidadania é uma ferramenta de integração de refugiados, mas a par com ela a concessão de autorizações de residência também tem um papel fundamental, da competência do SEF. A crise na Ucrânia, até este momento ainda não teve reflexos ao nível da nacionalidade, mas sim em matéria de autorizações de residência.

No entanto, temos conhecimento da existência de milhares de pedidos de nacionalidade pendentes devido, essencialmente, à falta de recursos humanos e meios técnicos ao dispor das conservatórias do registo civil, mas também resultante da alteração da Lei da Nacionalidade de 2013, que veio aumentar exponencialmente o número de pedidos ao permitir a aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de descendentes de judeus sefarditas.

O congresso coincidiu com uma greve dos trabalhadores dos registos, que teve uma adesão de 80%. A crítica do sindicato de que existem “muitas assimetrias” é justificada?

A Associação dos Conservadores dos Registos, co-organizadora deste congresso, tem também natureza sindical e com este evento pretendeu que o foco incidisse na importância do trabalho desenvolvido pelos profissionais, conservadores e oficiais de Registo, dignificando a profissão. O estatuto remuneratório aprovado 2019 foi à época discutido pela associação, que apresentou contra-propostas credíveis e fundamentadas para alterar o sistema em vigor desde 2002, respeitando o princípio dos direitos adquiridos. Temos conhecimento, porém, de que o referido estatuto remuneratório de 2019 foi objeto de pedido de declaração de inconstitucionalidade que ainda se encontra pendente.

Quais os principais desafios que enfrenta o Direito Registal em pleno 2022?

A globalização tem determinado uma nova perspetiva sobre o que se pretende para a sociedade em geral e para os registos em particular. Num mundo onde os cidadãos e as empresas se deslocalizam cada vez com mais frequência e facilidade, impõe-se que a informação de que dispõem nas relações transnacionais seja ainda mais acessível, segura e igualmente percetível. Só os registos, que produzem e disponibilizam informação com rigor jurídico, podem assegurar que os cidadãos e as empresas nas suas relações contratuais ou em processos judiciais, consigam com eficiência saber com que podem contar. Ou, por outras palavras, possam confiar nos documentos que comprovam os seus direitos.

Por exemplo?

Imagine-se a informação sobre a titularidade de um veículo automóvel português a circular na Alemanha; a transmissão por via sucessória do direito de propriedade de uma vivenda no Algarve do falecido casal francês que deixou um testamento lavrado no Brasil, país onde antes tinha residido. Os registos, mantendo a qualidade da informação contida nas suas bases de dados, terão de enfrentar, mormente a nível europeu, o desafio da interconexão da informação, o qual se prende não só com novos modelos tecnológicos baseados em trust service providers, mas com a partilha de conhecimentos que contribuam para que cada país possa aceitar com segurança documentos provenientes de outro.

Um dos temas debatidos no congresso foi a tecnologia. Qual a sua opinião sobre a aceleração digital nesta área?

A tecnologia é uma ferramenta importante ao desenvolvimento dos sistemas de registo. No congresso foram apresentados alguns modelos tecnológicos muito atuais implementados ou em fase de implementação em diferentes países, que permitem, por um lado, coadjuvar na elaboração dos registos pelo conservador, libertando-o para o estudo e para as decisões que diariamente tem de tomar na análise dos factos a registar em cumprimento da lei e tornando-os conhecidos e acessíveis a terceiros e, por outro lado, contribuindo para tornar mais fácil o acesso à informação por parte dos interessados, tudo com o respeito devido pela proteção de dados pessoais e balizado por uma carta ética digital, onde o papel do decisor é a peça chave, como referiu a presidente da CNPD.

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