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Macau “deixou de ser um caso de sucesso”, diz advogado português

O advogado português Jorge Menezes disse à Lusa que, “do ponto de vista dos princípios e valores que Portugal e China se vincularam mutuamente respeitar”, a região administrativa chinesa de Macau “deixou de ser um caso de sucesso”.
15 Abril 2023, 14h04

“Se as autoridades portuguesas disserem que Macau é, desse ponto de vista, um caso de sucesso, ou não sabem, ou não estão a dizer a verdade”, acrescentou Jorge Menezes, que trabalha em Macau desde 1997, tendo interrompido a sua atividade no território em 2000, aonde regressou a partir de 2008.

Jorge Menezes defende que as autoridades portuguesas, que recebem em Lisboa, entre 18 e 22 deste mês o presidente do executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Ho Iat Seng, deverão aproveitar a ocasião para manifestar a sua crítica à violação dos direitos fundamentais no terrtitório, o que constitui o desrespeito, pelo lado chinês, da Declaração Sino-Portuguesa, assinada em 13 de abril de 1987, que resultou na transferência da soberania de Macau em 20 de dezembro de 1999.

Depositada nas Nações Unidas, a Declaração Conjunta é considerada um tratado internacional.

“Se Portugal criticar o Governo da China e, portanto, indiretamente o Governo de Macau pela violação de direitos fundamentais não está a fazer uma interferência num país estrangeiro. Está a dar cumprimento, a exigir cumprimento a um acordo internacional de que Portugal é parte, depositado nas Nações Unidas”, defendeu.

Para Jorge Menezes o que está em causa é a violação pela China do compromisso, assumido com Portugal, de que respeitaria as liberdades fundamentais tal como existiam antes, durante a administração portuguesa.

“Chama-se o princípio da continuidade do sistema jurídico”, explicou.

Jorge Menezes critica, designadamente, a situação nos setores da justiça e comunicação social, que considera emblemáticos da “supressão dos direitos fundamentais, da degradação da vida cívica”.

No setor da justiça, reconhece que “continua a haver muitos advogados portugueses de relevo”, o que se traduz numa prática judiciária ainda em português mas questiona que apesar de o sistema ser bilingue [os atos processuais e julgamentos são feitos nas línguas portuguesa e chinesa] “muitos tribunais, especialmente os de primeira instância não traduzem sentenças. Algumas são muito longas e não traduzem. Nós pedimos e não traduzem”.

“O que resulta da lei, do espírito da lei, pelo menos é que deveriam traduzir quando há advogados portugueses envolvidos. O mesmo também se poderá passar, ao contrário, se forem só advogados portugueses, num processo em português e houver só um advogado chinês também poderá ter o mesmo problema. O crescendo é da língua chinesa passar a dominar cada vez mais e a língua portuguesa começar a perder relevância na justiça de Macau”, explicou.

Quanto ao setor da comunicação social, Jorge Menezes aponta a responsabilidade de durante a administração portuguesa Macau nunca ter tido uma cultura de liberdade de imprensa.

“O último governador de Macau, general Rocha Vieira, fez um péssimo serviço ao país, na medida em que não tentou inculcar em Macau uma cultura de liberdade de imprensa, de proteção dos direitos fundamentais, de transparência política, de responsabilização política, de tentativa de democratização, na medida do possível”, acusou.

Em síntese, apontou que “o que está a acontecer em Macau tem sido uma degradação lenta das liberdades fundamentais e do Estado de Direito”.

Sobre o conceito ‘um país, dois sistemas’, criado pelo antigo líder chinês Deng Xiaoping – uma “experiência social”, como a define Jorge Menezes -, o advogado português sustenta que em Macau e em Hong Kong “não existe democracia, mas existe proteção dos direitos fundamentais e Estado de Direito”.

“Democracia já não tínhamos e, portanto, o que aconteceu em Macau e Hong Kong foi uma espécie de uma experiência social criada por Deng Xiaoping para “tentar que houvesse proteção dos direitos fundamentais e Estado de Direito sem haver democracia”.

“Não é assim que sucede em Portugal e outros países do mundo: é a democracia que suporta a proteção dos direitos fundamentais e o Estado de Direito, que tem a ver com o cumprimento de regras, não retroatividade da lei, leis gerais e abstratas, igualdade”, acrescentou.

Jorge Menezes considera que “infelizmente em Macau e em Hong Kong, como ficou demonstrado, a experiência não resultou”.

Nos direitos fundamentais, por exemplo, o direito de manifestação, “um direito importantíssimo em Macau, exatamente porque não há democracia – e como a população não pode votar para escolher quem os governa, quem decide da sua vida -, o direito de protesto, de manifestação, é muito mais relevante do que em Portugal ou num país democrático, onde também é importante. Mas em Macau era um direito fundamental e esse direito foi praticamente destruído pela prática policial e pela jurisprudência dos tribunais”.

“Em segundo lugar: a liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa, um tema cada vez mais fundamental numa sociedade livre, mais ainda numa sociedade que não é democrática, em que as pessoas não vão poder reagir pelo voto”, destacou.

Jorge Menezes defende que a esmagadora maioria da imprensa de Macau “ou é controlada diretamente pelo poder político de Macau ou da China, ou se autocensura de uma forma ativa”.

“A imprensa tem sofrido também uma pressão crescente. Hoje em dia todos nós sabemos que há coisas que não se podem escrever, que há pessoas que não podem falar para os jornais e, portanto, há uma diminuição da transparência da vida pública de uma forma assustadora e muito preocupante”, acrescentou.

“Outros direitos fundamentais têm vindo a ser violados. Vão em crescendo, tudo nasce com a aprovação da nova versão da lei de segurança nacional, de algum modo decalcada, ainda que diferente daquela que foi implementada em Hong Kong”, comparou.

Segundo Jorge Menezes, a nova versão da lei de segurança nacional criminaliza a opinião.

“Passa a criminalizar a opinião. O objetivo da lei é um controlo político da população, da sociedade civil. Há condutas que passam a ser crimes, que não têm nada a ver com segurança nacional”, acusou.

A nova versão prevê tribunais especiais, onde não são permitidos juízes portugueses, alertou.

“É o apagar da luz em Macau como uma sociedade livre”, concluiu.

Distinguido em 2018 como “Personalidade do Ano” pelo jornal Macau Daily Times, Jorge Menezes foi considerado uma das “20 Pessoas Mais Influentes em Macau”, nos seus 20 anos de história, pelo Macau Business, que o apresenta como “uma espécie de porta-voz de ideias pród-emocracia” na RAEM.

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