A relação entre os mercados acionistas e obrigacionistas é matéria de grande interesse para economistas, reguladores dos mercados financeiros e investidores.

Os economistas estão interessados em perceber os mecanismos que conectam estes mercados. Os reguladores, a partir desse entendimento, procuram otimizar a agregação da informação dos mercados financeiros, a sua função de alocação de capital e a sua robustez a choques no sistema financeiro. Os investidores estão focados na correlação dos retornos das duas classes de ativos, input crucial para as decisões de alocação entre classes de ativos em contexto de gestão de carteiras. Neste artigo centro-me na perspetiva dos investidores.

A correlação entre os retornos de ações e de obrigações varia no tempo e é de estimação difícil. Há vários fatores, de diferente natureza, com relevância preditiva dessa correlação. Focando os fatores macroeconómicos, dada a sua visibilidade atual, destacam-se quatro: desemprego, crescimento do produto, taxa de juro real e inflação. Com base na evidência empírica, os retornos das duas classes de ativos tendem a variar no mesmo sentido face a variações de taxa de juro real e de inflação, e em sentidos opostos face a variações no crescimento do produto e do desemprego.

Torna-se por isto da maior relevância, num contexto de gestão de carteiras, o rigor da estimação do “regime macroeconómico” que prevalecerá no horizonte temporal de investimento do investidor. Se as preocupações com o ciclo económico dominam (desemprego, crescimento do produto), é expectável que a correlação dos retornos ações-obrigações seja negativa. Se o regime macroeconómico é dominado pelo tema da inflação, espera-se que a correlação seja positiva, reduzindo oportunidades de diversificação.

Num contexto tradicional de gestão de carteiras, um cenário de correlação positiva representa um problema quando os retornos das duas classes de ativos são negativos. O que sucedeu em 2022 e, recuando até 1950 (nos EUA), em 1969. Nestes dois anos houve uma mudança para um regime macroeconómico dominado por elevada inflação, no seguimento de políticas monetária e fiscal expansionistas complementadas com disrupções do lado da oferta no setor energético[1].

Para atestar a relevância desta aferição do “regime macroeconómico”, tomemos como exemplo a alocação 60/40 (60% ações, 40% obrigações). O retorno médio desta alocação nas últimas décadas é positivo. Mas em 2022 foi significativamente negativo, refletindo os retornos negativos das duas classes ativos.

A “competitividade” da alocação 60/40 é, atualmente, um dos temas relevantes de reflexão na gestão de ativos. Isto porque o período da “Grande Moderação” das últimas quatro décadas, de estabilidade de inflação, acabou. E um período de volatilidade macroeconómica e de mercado chegou. Surgem várias questões, relacionadas com a robustez dos modelos de previsão de retornos, com o perfil de ativos a considerar em cada uma das classes de ativos (ações e obrigações), entre outras. Regressarei a estes temas em artigos futuros.

 

[1] Rebuilding resilience in 60/40 portfolios, BlackRock (https://www.blackrock.com/us/individual/insights/60-40-portfolios-and-alternatives ). Retornos de obrigações: 1950-1975, U.S. Treasury Bond; 1976-2022, Bloomberg U.S. Aggregate Bond Index; Retornos de ações: 1950-1956, S&P Composite Index; 1957-2022, S&P500 Index.