O problema da habitação que tanto se tem comentado nos últimos anos é um problema estrutural complexo e com fatores exógenos difíceis de quantificar e prever. O pacote de medidas ‘Mais Habitação’ lançado pelo Governo apresenta algumas soluções, contudo é importante refletir sobre a sua facilidade de execução, a capacidade de implementação dentro dos prazos e a carga administrativa a que vai obrigar.

No setor da habitação qualquer plano leva 10 a 15 anos a implementar medidas práticas, então qual a génese deste problema?

Um português em 2011 ganhava em média 1.083€/mês e em 2021 1.395€/mês (uma variação de 28% em 10 anos, média aprox. de 2,5% ao ano). De acordo com dados do idealista, para comprar uma casa um português pagava 1.056€/m2 em 2015 e 2.325€/m2 em 2021 (uma variação de 2,2 vezes em 6 anos, média aprox. de 15% ao ano). Daqui se deduz que o custo da habitação não subiu como consequência do aumento do poder de compra em Portugal.

De acordo com o INE, a população Portuguesa era de 10,5 milhões de pessoas em 2011 e de 10,3 milhões de pessoas em 2021. Outro dado relevante é que desde 2001 a taxa de variação da população portuguesa tem vindo a decrescer. Daqui deduz-se que, não tendo aumentado a população portuguesa, a procura de habitação ter-se-á mantido estável.

De onde vem então o problema da habitação em Portugal?

1) Uma das primeiras questões é se o problema é de arrendamento ou de aquisição? O pacote de medidas ‘Mais Habitação’ lançado pelo Governo, composto por 5 medidas centrais, está principalmente focado no arrendamento. Mas será esse o problema? Talvez não. A questão é que é mais fácil elaborar um pacote de medidas para o arrendamento, aliás algumas delas já estavam em prática, do que propriamente resolver o problema da aquisição.

2) Com a crise financeira e imobiliária que surgiu na sequência da crise de 2008 foi implementado um conjunto de medidas para prevenir novas crises, nomeadamente as que resultam de desequilíbrios entre a oferta e a procura. Os bancos reduziram o rácio de financiamento para 80% a 85%, os municípios passaram a controlar melhor os novos licenciamentos, entre outros. Quer isto dizer que a oferta passou a estar controlada e bastante pressionada.

3) Em 2014 as novas regras de classificação e qualificação do solo, estabelecidas na Lei de Bases da Política de Solos, de Ordenamento do Território (Lei n.º 31/2014, de 30 de maio), integravam como medida de grande impacto a eliminação da classe do solo urbanizável, ‘terrenos com potencial construtivo’ normalmente associados a terrenos rústicos, mas que já se encontravam em perímetro urbano e por isso poderiam ser urbanizados.

4) Um dos principais impactos na habitação e pouco mencionado é a mudança na estrutura dos agregados familiares, hoje de menor dimensão, com um cada vez maior número de famílias monoparentais. O número de agregados passou de 3.942.057 em 2010 para 4.068.878 em 2020. Quer isto dizer que em 10 anos passaram a existir mais 126.000 agregados, com necessidades adicionais de habitação de 12.600 fogos por ano. Se em 2020 foram transacionadas cerca de 160.000 casas, só este fator contribui para quase 10% da procura de habitação.

5) De acordo com dados do SEF, a população estrangeira residente em Portugal passou de 395.195 habitantes em 2014 para 698.887 habitantes em 2021, um incremento de mais 300.000 habitantes num período de 7 anos, gerando necessidades adicionais de habitação que se podem estimar em quase 15.000 fogos/ano.

6) O Alojamento Local contribuiu de forma determinante para a regeneração do centro histórico das cidades, permitiu dar resposta à procura turística e revelou-se um investimento de retorno atrativo ao mesmo tempo que foi uma atividade geradora de emprego.

O conjunto de medidas desenhadas para o combate à crise da habitação estão direcionadas para dimensões especificas que se prevê terão impacto limitado nas condições atuais de mercado. A implementação de medidas efetivas carece do desenho de um plano de médio e longo prazo que seja suportado por todos os agentes do mercado. Tratar-se-á assim não de ‘Mais Habitação’ mas de ‘Mais Planificação’.