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“Mais investimento era melhor, mas o que temos feito já é muito bom”

O presidente do AED Cluster Portugal diz que o país tem potencial para liderar indústria e que o investimento não escasseia. Antes de reter talento há que reter empresas, avisa José Neves.
12 Junho 2022, 19h00

A indústria aeronáutica e espacial portuguesa tem crescido a bom ritmo e com investimento consistente, considera o presidente do cluster português de Aeronáutica, Espaço e Defesa (AED), José Neves, que aponta o contexto global de fragilidade nas cadeias de valor como uma oportunidade para evidenciar o posicionamento estratégico do país junto da Europa e do mundo. Ainda assim, o responsável pelo AED Cluster Portugal diz que o investimento nunca é demais e que para reter o talento qualificado é preciso primeiro fixar empresas.

José Neves relembra que há 25 anos “havia muito pouco em Portugal”, mas que hoje a indústria da aeronáutica e do Espaço emprega mais de 18 mil trabalhadores e representa já 1,4% do PIB (sensivelmente 2,9 mil milhões de euros). Mas “90% da produção nacional é convocada na componente externa, de exportação”, diz José Neves em entrevista ao Jornal Económico. Contudo, a vontade dos sectores é de atrair mais empresas para o nosso país.

Apesar de afastar a ideia de que o talento formado em Portugal nestas áreas é escasso, José Neves admite que é difícil de reter. “Para retermos o talento, temos que ter capacidade em Portugal de reter empresas” e a questão da atratividade do palco nacional para esta indústria joga-se em diferentes frentes. Mas o responsável acredita que Portugal “tem tudo” para o fazer. “Temos o talento, temos um posicionamento estratégico muito interessante e temos também um bom acompanhamento dos atores políticos”, que diz estarem atentos à capacidade do escossistema de criar mão-de-obra qualificada e de contribuir para as exportações. “Portanto, claramente veem neste sector capacidade de crescimento”, garante. “O investimento que o cluster está a fazer ao nível do PRR é na ordem dos 400 milhões de euros”, revela, uma soma “significativa para o desenvolvimento do sector em Portugal. “Mas também o desenvolvimento – do governo com a indústria – de uma estratégia para o sector é um factor que tem promovido a atratividade e quase que cria aqui um centro gravitacional de atração de investimento estrangeiro”, afirma. “Se queremos mais? Claro que queremos mais. Mais investimento era melhor, mas o que temos feito já é muito bom”.

Segundo José Neves, o ritmo de crescimento anual do sector está nos dois dígitos. Mas pode haver soluços no motor. A venda das fábricas da Embraer em Évora aos espanhóis da Aernnova no início deste ano representa um recuo por parte da gigante brasileira, mas José Neves não vê qualquer quebra de investimento. “Se a Embraer está a sair de Portugal? Não. Se as fábricas estão a ser adquiridas é porque há um potencial enorme. Ninguém ia gastar 150 milhões de euros se não visse um potencial nessas fábricas”, salienta. Ainda sobre a Embraer, o líder do cluster português não considera que a eventual saída de um player se traduza no fim do valor que este acrescentou. A empresa vai, o investimento fica: “Quando fez o investimento em Portugal, a Embraer criou dentro do IEFP a capacidade de formar pessoas para trabalhar em fábricas de aeronáutica, que nós não tínhamos até 2010-2011. Às vezes esquecemo-nos de que o talento são os engenheiros, mas também, neste sector, é muito importante o pessoal de chão-de-fábrica”. Estes trabalhadores, cuja formação José Neves considera elevada e de grandes custos, são tão especializados na área que “muitas vezes ganham mesmo mais do que um engenheiro”. Quanto à fuga de talento nacional para as fábricas estrangeiras, é categórico: “É preciso reter essas pessoas e se não lhes pagarmos bem, elas garantidamente saem da fábrica de Évora para uma fábrica em Sevilha, ou em Itália”, alerta.

Melhores do que há 25 anos, e mais qualificados do que há dez – José Neves vê o crescimento do sector com uma lente “sempre otimista”, apesar do contexto de adversidade. A crise nas cadeias de abastecimento potenciada pela pandemia e as novas exigências na defesa devido à guerra na Ucrânia colocam um ponto de interrogação quanto às debilidades da Europa nessas áreas. O presidente do AED Cluster Portugal acha que o país pode aproveitar a onda de disrupção global. “Tipicamente, as cadeias de fornecimento de aeronáutica, espaço e defesa são cadeias de valor muito complexas, muito rígidas, com fornecedores que já fizeram grandes investimentos, portanto é complicado entrar nelas. Daí que esta disrupção seja uma oportunidade para as empresas estrangeiras observarem Portugal”. Nesta dança de atratividade, Neves assinala já investimentos deslocados para Portugal (que não especifica) e refere “a proximidade física e cultural” como um fator-chave para “atrair investimento europeu”.

A defesa, essa, tem outras nuances, já em análise: “A AED tem vindo a falar regularmente com as Forças Armadas, com o ministério da Defesa, sobre as necessidades operacionais e estratégicas” que virão nos próximos anos de forma a ajudar as empresas a definir o destino dos investimentos a fazer. “Para que daqui a três ou cinco anos sejam capazes de fornecer para as necessidades que as Forças Armadas terão”, uma vez que está em vista um reequipamento geral, adianta. De igual forma, as metas sustentáveis já pesam na estratégia da indústria nacional, mas também aqui José Neves não vê fragilidades, mas sim uma oportunidade de crescimento, nomeadamente porque os aviões “são frequentemente apontados como uma força poluidora”. Como é que se reduz as emissões nas aeronaves? “Tipicamente, com novas aeronaves. Tendo nós em Portugal uma supply chain de aeronáutica, sendo que há uma renovação de frotas em larga escala, temos mais trabalho e desenvolvimento a nível nacional”. É uma oportunidade única, sublinha.

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