[weglot_switcher]

“MaisFrança” promete uma programação diversificada e mais pontes com Portugal

A presença francesa nos grandes festivais e eventos ligados à arte contemporânea em Portugal vai ser reforçada com a temporada “MaisFrança”, já em junho, e estende-se até novembro, com o intuito de reforçar laços e sinergias entre os dois países e respetivos criadores artísticos.
7 Junho 2023, 20h02

Depois da Temporada Cruzada França-Portugal, que resultou em mais de 400 eventos e envolveu cerca de três milhões de pessoas, o lastro deixado não podia esmorecer. Se haveria muitas razões a convocar para manter viva esta chama, Dominique Depriester, diretor du Institut Français du Portugal (IFP), salientou a importância dos “laços” reforçados ao longo da Temporada e “a enorme vontade de continuar a mostrar a criação contemporânea francesa ao público português”.

As iniciativas que, até novembro, se vão disseminar por diversos pontos do país, foram apresentadas dia 07 de junho, na Embaixada de França, em Lisboa, sob a designação “MaisFrança“. Esta nova temporada, que entre as várias ambições, coloca a tónica na “estruturação da cooperação França-Portugal no domínio das artes visuais”, bem como “a renovação das formas artísticas e dos públicos, e o apoio à criação de laços entre profissionais”, sem esquecer a importância de “continuar a criar laços muito estreitos entre os universos da cultura em França e Portugal”.

A ideia de “laços”, expressa por Dominique Depriester, que se dirigiu à plateia em português, foi também salientada pela “madrinha” desta 1ª edição de “MaisFrança“, a realizadora luso-francesa Cristèle Meira Alves, cuja primeira longa-metragem, “Alma Viva”, já estreada em Portugal e ainda em exibição em França, foi escolhida pela Academia Portuguesa de Cinema para representar Portugal nos Óscares 2023.

“Nasci em França e sou filha de pais portugueses e tenho, desde sempre um pé em cada país”, assim se apresentou Cristèle Meira Alves, com um sorriso antes de realçar que é, precisamente “a riqueza destas duas culturas que me instigou a pôr na tela as histórias que conto nos meus filmes”. Deu nota da sua entrada na 7ª arte com a realização de dois documentários, em Cabo Verde e Angola, a que se seguiram quatro curtas-metragens de ficção, antes da sua estreia na longa-metragem, com “Alma Viva”.

Antecipando um dos momentos do “MaisFrança“, Cristèle agradeceu a oportunidade de ver uma “retrospetiva” da sua curta obra no Festival do Cinema Francês, que todos os anos tem lugar em várias cidades portuguesas em outubro e novembro. Fez questão de sublinhar que o seu “trabalho é um testemunho da minha identidade e ligação entre os dois países, a minha e de muitos portugueses”. E frisou ainda que esta é uma forma importante de “reforçar a ligação entre artistas e instituições” dos dois países, que espera ser “duradoura”.

Giusi Tinella, adida de cooperação cultural e audiovisual do IFP, apresentou a programação de “MaisFrança”, destacando a abertura e disponibilidade para estreitar redes de contactos e de apoio a projetos culturais portugueses, com enfoque na criação contemporânea. A seleção feita para esta primeira edição, quer “abrir novos espaços e uma cultura «aventureira», europeia, e que celebra, acima de tudo, a complexidade da criação contemporânea, fazendo-a chegar a públicos mais diversificados”.

Um dos principais objetivos desta iniciativa, Giusi Tinella prossegue, é “contribuir para aquilo a que chamamos o desenvolvimento de uma sociedade solidária, duradoura e igualitária”. Para isso, o IFP adotou uma nova “postura”, no sentido de estratégia, que, sendo “um trabalho menos visível, embora relevante, visa identificar, em França, instituições nacionais que possam estabelecer parcerias duradouras com projetos e instituições portugueses”, conclui a responsável antes de passar à apresentação da programação de “MaisFrança”.

Do vasto programa, destaque para a exposição “Dors petit dors” de Sara Sadik, na Kunsthalle Lissabon, cuja prática artística combina vídeo, performance, instalação e fotografia, e que aqui se inspira na cultura juvenil dos bairros populares da diáspora norte-africana.

A par da presença de companhias francesas no Festival de Almada, que tem luugar entre 04 e 18 de julho, destaque, também, para a jovem bienal A Dobradiça – Encontros Contemporâneos, que decorre de 8 a 16 de julho, em Mação, e vai contar com a presença da artista multimédia Josèfa Ntjam, do paisagista Gilles Clément e da videoartista Florence Lazar.

Ainda em julho, “100 Cymbals”, que reúne Ryoji Ikeda, artista visual e compositor eletrónico japonês a residir em França, ao grupo Les Percussions de Strasbourg, uma performance criada para apresentar em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, e no Porto, na Fundação de Serralves. “MaisFrança” é, também, parceira da Trienal de Arquitetura de Lisboa e da Porto Design Biennale, onde serão expostos os projetos de jovens designers franceses que inventam novas formas de se lidar com os seus vários ambientes.

Na rentrée, em setembro e outubro, o 30º aniversário da Casa da Cerca, em Almada, contará com uma exposição que reflete sobre o futuro do desenho, na qual participam 30 jovens artistas de diferentes nacionalidades e disciplinas. Enquanto o festival QueerLisboa e a BoCA Bienal de Artes Contemporâneas se vão debruçar sobre questões de género e de identidade sexual, através da literatura, do cinema e do teatro. “A Noite das Ideias”, que este ano se distribui por três eventos em torno do tema “Mais”, vai ser assinalada em três cidades portuguesas: Lisboa, Porto e Aljezur.

A exploração de temáticas contemporâneas através das artes prossegue com o Alkantara Festival em novembro e, no âmbito do Ano do Documentário, a França também estará representada no festival PORTO/POST/DOC. Em novembro, e sob o signo do “digital”, MaisFRANÇA estará presente em Braga, cidade criativa da Unesco para as artes digitais, no festival de música eletrónica e arte digital SemiBreve.

Em declarações ao Jornal Económico, no final da apresentação de “MaisFrança”, sobre o reconhecimento que os luso-descendentes conquistaram em França, Cristèle Meira Alves explica que “foi um longo caminho percorrido. Não foi simples e foi preciso que a primeira e segunda gerações conquistassem visibilidade nas mais diversas áreas. No meu caso, lembro-me que, quando apresentei a minha primeira curta-metragem, tive de comprovar que era portuguesa para poder participar na competição portuguesa”.

E explica. “O facto de não vivermos cá, deixa sempre uma dúvida se podemos ser considerados «portugueses» ou não”, refere entre sorrisos de satisfação pelo facto de agora se sentir “reconhecida como realizadora portuguesa, e apresento e participo com os meus filmes como portuguesa. Eu pude ir ao festival de Cannes na qualidade de realizadora francesa, sendo uma coprodução e sendo filmado em Portugal. Nas três vezes que estive em Cannes foi nessa qualidade, e isso honra-me muito. E volto a dizer o que disse antes, sinto-me portuguesa e francesa, isso faz parte da minha identidade”.

Não poderíamos deixar de questionar a realizadora sobre o próximo projeto cinematográfico. A resposta foi dada de rajada. Vai ser uma longa-metragem. E ainda tem a ver com Portugal e França, inspirado na vida real de uma mulher emigrada nos anos 70. É uma ficção, mas com uma base real, em torno de uma mulher com um percurso singular… Mas não vou contar já a história!”, explica. “Desta vez, tenho vontade de filmar numa cidade em França, para me desafiar”.

“Há momentos solitários, mas o desafio está em mergulhar na imaginação, nos protagonistas que vão surgir, durante meses, às vezes anos, e que mais parecem ‘fantasmas’ da história que estamos a escrever. A escrita é feita de muitas epifanias, que soltam muitas energias criativas. E estou com vontade de voltar a escrever depois de passar um ano a fazer a promoção de «Alma Viva»!”, confessa Cristèle.

Uma última mensagem deixada na apresentação por Giusi Tinella, e que sublinhou como particularmente relevante, prende-se com a criação de um fundo que apoie a circulação de artistas africanos em Portugal, França e Europa. À pergunta do JE, se já existe uma ideia estruturada ou se deve partir dos artistas o contacto com o IFP no âmbito deste fundo, a responsável responde que, “desde o festival Danças na Cidade, antecessor do Alkantara Festival, que, pela mão do então diretor do festival, Mark Deputter, se começaram a criar pontes sólidas com Moçambique, por exemplo, que passaram por projetos e residências artísticas. Agora, e tendo presente que o Institut Français à Paris – que esteve sempre empenhado na circulação de artistas africanos em França através do programa «Afrique, Caraïbes en Création» – não concebo a ideia de o IFP não tomar em consideração esta dimensão em Portugal”.

O objetivo, no imediato, e a pensar em 2024, ano em que Giusi Tinella prevê que o fundo possa ser acionado, passa, também, por perceber “como podemos, com base na experiência desses programas, criar aqui, em Portugal, em parceria com o Institut Français à Paris e, quiçá, fundos privados, um fundo específico para a circulação de artes africanas – desde cinema, artes visuais, teatro, dança – porque a procura é muito forte”.

“MaisFrança” é um programa organizado pela Embaixada de França em Portugal e o Institut Français e conta com o apoio de mecenas: Claude & Sofia Marion Fundation, Credibom, JC Decaux, Mexto e WAAU.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.