Estava tentado a prosseguir hoje a minha apologia do mar – enquanto oportunidade, fonte de riqueza e reduto último da sustentabilidade económica e ambiental. Fazê-lo seria, de resto, excepcionalmente fácil, dada a conjuntura estival dolente, mas consideradas também as declarações, propaladas pela comunicação social e imputadas ao círculo do Governo, segundo as quais o mar será uma prioridade para os próximos anos, no quadro da aproximação das negociações orçamentais e do início dos primeiros esquissos para os fundos estruturais pós-2020.

Essa prioridade marítima – a confirmar-se nas opções político-económicas efectivas e descolando do eterno estatuto de declaração de intenções inconsequente – merece todo o meu apoio e por isso estava tentado, como dizia, a continuar hoje a defesa dessa prioridade. Pensava abordar uma das suas manifestações políticas e diplomáticas – o trabalho da estrutura de missão para o alargamento da plataforma continental, que tem em vista, justamente, a potenciação da riqueza contida no nosso domínio marítimo, especificamente no que respeita ao solo e subsolo.

Considero importante levar a cabo alguma pedagogia, que a comunicação social não foi capaz de fazer nos últimos dias, emaranhada numa profusão de notícias (a propósito dos contactos mantidos entre aquela estrutura e os técnicos da ONU) herméticas na forma e pouco mais do que ocas no conteúdo. Talvez voltemos aqui.

É que não posso deixar de prestar atenção às brechas que vão aparecendo na parede da “coligação” que nos governa, que são diárias e são reveladoras – como cantava Leonard Cohen, “há uma fenda em tudo/é assim que entra a luz” e é essa luz que não é mais possível ignorar. A aproximação das autárquicas e as negociações do Orçamento do Estado para 2018 (que apelidei, há algumas semanas, de “exame final”) são o cenário onde se vão revelando aquelas brechas – greves do SEF, da Carris, dos médicos, dos técnicos de enfermagem, dos magistrados do Ministério Público, etc.; avisos constantes do Bloco e amuos do PCP a propósito das cativações e das carreiras da função pública são só alguns indícios de l’air du temps.

António Costa não tem que fazer nada – basta-lhe nada fazer e não ceder às exigências dos parceiros que querem “tudo e agora”. Fazendo isso, dará ao Bloco e ao PCP o pretexto valioso de que necessitam para reconquistarem o seu espaço e ganhará asas para um triunfo eleitoral esmagador nas autárquicas e nas legislativas antecipadas. Assim, talvez um PS com maioria absoluta no Parlamento possa, enfim, cumprir a sua vocação europeísta e negociar melhor os fundos estruturais, com a ajuda do Ronaldo do Eurogrupo, com os quais dará espessura a uma verdadeira prioridade marítima.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.