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Marcelo inclinado a não enviar o OE para o Constitucional

O Presidente da República não vai pedir a fiscalização da constitucionalidade do travão à capitalização do Novo Banco, aprovada no OE 2021. A batata quente passa para António Costa ou deputados.
3 Dezembro 2020, 12h59

O Presidente da República não vai pedir a fiscalização da constitucionalidade da norma inscrita no Orçamento do Estado para 2021 que impede o Fundo de Resolução de capitalizar o Novo Banco em 476,6 milhões de euros. O Jornal Económico apurou junto de fontes próximas ao Chefe de Estado que Marcelo está condicionado pelos timings quer da apreciação preventiva da constitucionalidade do OE2021, que atrasaria a sua entrada em vigor em contexto de crise sanitária, quer das eleições presidenciais.

A fiscalização preventiva da constitucionalidade do travão à capitalização do Novo Banco poderá também ser desencadeada pelo primeiro ministro ou por um quinto dos deputados, abrindo a porta ao PS para desencadear o pedido ao Tribunal Constitucional (TC).

Regra geral o TC tem 25 dias para se pronunciar, exceto se for feito um pedido urgente, o que encurtará o prazo para dez ou 15 dias.

Confirma-se assim a afirmação de Luís Marques Mendes no domingo passado na SIC. O comentador, também conselheiro do Estado, disse categoricamente que “não há qualquer dúvida” que o Presidente da República não vai enviar o OE2021 para o Tribunal Constitucional, ao mesmo tempo que defende que “isto não é um problema de inconstitucionalidade”. Marques Mendes sugeriu que fosse o Novo Banco a avançar para os tribunais administrativos para desbloquear o travão parlamentar.

Outra fonte do Conselho de Estado disse ao Jornal Económico que é normal que ao Presidente da República “não lhe apeteça fazer o pedido”. Primeiro porque, explica a mesma fonte, “não se trata de uma violação clara da Constituição e como tal não é preto no branco”. Depois, acrescenta, “porque atrasa muito o Orçamento de Estado. Embora o Tribunal Constitucional tenha um prazo apertado e o problema só diga respeito a uma norma, a verdade é que toda a lei do Orçamento se vê envolvida no processo, o que pode atrasar a entrada em vigor do Orçamento por cerca de dois meses”.

Contactada a Presidência da República, não fez comentários e remeteu para a resposta dada na semana anterior. Fonte oficial da Presidência da República disse ao Jornal Económico que “o Presidente da República terá de receber o Orçamento do Estado em Belém e só depois de analisado decidirá o que fazer com ele. Nesse ponto concreto, como em todos os outros”.

Antes de chegar a Belém para análise do Presidente da República, o Orçamento do Estado será publicado em diário da Assembleia da República.

Fonte próxima do processo diz que Marcelo Rebelo de Sousa não quer pedir a fiscalização preventiva porque não quer hostilizar a base do PSD, que votou contra a injeção do capital do Fundo de Resolução no Novo Banco, numa altura em que estão à porta as eleições presidenciais, marcadas para 24 de janeiro de 2021, ainda que o Chefe de Estado não tenha anunciado se será candidato. Pelo que a fiscalização preventiva a seu pedido deverá ficar afastada.

Em alternativa à fiscalização preventiva, o Chefe de Estado pode ainda pedir a fiscalização sucessiva do OE2021 nos 20 dias após receber o documento, prazo previsto na Constituição para promulgar ou vetar. Tal só poderá ocorrer depois de Marcelo promulgar a lei do OE2021 e de este entrar em vigor porque, por definição, a fiscalização sucessiva ocorre durante a vigência da lei.

Trata-se igualmente de uma hipótese remota para desbloquear o travão parlamentar, segundo as nossas fontes, precisamente por causa do atraso do OE 2021.

Opinião diferente tem deputado do PS, Pedro Bacelar Vasconcelos, que disse ao Jornal de Notícias que se Marcelo promulgar o OE e suscitar a fiscalização sucessiva do travão da injeção do capital para o Novo Banco “não atrapalha a entrada em vigor do Orçamento” e uma eventual inconstitucionalidade afetará “exclusivamente” aquela norma (proposta pelo BE e aprovada com ajuda do PSD). Isto independentemente de ser Belém, o primeiro ministro ou deputados a fazerem o pedido.

Novo Banco não quer avançar para tribunal administrativo
Marques Mendes disse na SIC que o travão à transferência do Fundo de Resolução para o banco liderado por António Ramalho deverá resolver-se através dos tribunais administrativos, o que poderia ser feito pelo Novo Banco.

“Pode ser o banco a colocar uma espécie de providência cautelar exigindo ao Fundo de Resolução que pague o que tiver a pagar” e, como o Fundo liderado por Luís Máximo dos Santos “não tem dinheiro e tem de cumprir a intimação judicial, pede dinheiro ao Governo e como este não tem dotação no OE, pode nessa altura recorrer à dotação provisional”, explicou uma fonte conhecedora do processo.

Mas o Novo Banco só pode recorrer aos tribunais administrativos depois das contas fechadas, o que ocorrerá em março do próximo ano.

No entanto, o Jornal Económico sabe que o banco liderado por António Ramalho não quererá assumir o protagonismo desta solução para contornar o travão à injeção de capital pelo Fundo de Resolução que está contratada no Acordo de Capitalização Contingente, e que a gestão do banco acredita que haverá outras soluções.

Contactado, o Novo Banco não comentou.

Fontes revelam que o Novo Banco vai marcar a Assembleia Geral para 30 de março, e nessa altura as contas estarão fechadas e será determinado o montante a pedir ao Fundo de Resolução no âmbito do Mecanismo de Capitalização Contingente. Segundo este contrato, o FdR tem de capitalizar o Novo Banco pelo menor de dois valores: o valor das perdas líquidas acumuladas com ativos cobertos pelo mecanismo de capital contingente ou pelo valor necessário para repor o rácio de capital CET1 acima de 12%.

Com o impedimento do FdR fazer qualquer transferência para o Novo Banco em 2021, o Estado português incumprirá um obrigação assumida perante Bruxelas.

Em 2017 ficou firmado que “o Estado português disponibilizará meios financeiros ao Fundo de Resolução, caso tal seja necessário para o cumprimento tempestivo das obrigações”.

A Comissão Europeia aprovou a venda do Novo Banco com o compromisso de que o Fundo de Resolução poderia vir a capitalizá-lo em até 3,89 mil milhões, restando ainda 912 milhões por utilizar.

Ao JE, porta-voz da Comissão Europeia disse expressamente que “a Comissão está a monitorizar o cumprimento desses compromissos”.

António Costa disse no Twitter que Portugal é um Estado de direito que cumpre as suas obrigações contratuais, e que falou “com a presidente do BCE, Christine Lagarde, a quem garantir o escrupuloso cumprimento dos compromissos assumidos no quadro da venda do Novo Banco”.

Se, chegado ao fim de abril, princípio de maio, o bloqueio não ficar resolvido, eventualmente com um orçamento retificativo aprovado pelo PSD, então há duas vias radicais.

Numa das vias, a Lone Star pode injectar o dinheiro para capitalizar o Novo Banco e assim dilui o Fundo de Resolução na estrutura acionista, limitando brutalmente a participação do Fundo nas mais-valias do futuro processo de venda do banco, e mantendo a Lone Star o direito a pedir uma indemnização pela quebra do contrato designado de Acordo de Capitalização Contingente, que ainda tem por utilizar 912 milhões de euros

Esta opção seria péssima para o Fundo de Resolução.

Noutra via, seria o Estado obrigado por Bruxelas a capitalizar o Banco através da cláusula de emergência (capital backstop) que ficou prevista para ocorrer numa situação extrema, que agora fica mais perto de acontecer.

Tal como consta do acordo com Bruxelas, na medida em que surjam necessidades de capital em circunstâncias adversas que não possam ser resolvidas pela Lone Star ou por outros operadores de mercado, Portugal disponibilizará capital adicional limitado. No entanto também esta injeção pelo Estado necessita de aprovação parlamentar porque teria de ser inscrita num Orçamento do Estado.

Accionar o capital backstop poria o banco na esfera do Estado, diluindo o Fundo de Resolução e a Lone Star, mas os norte-americanos têm prioridade na escolha de capitalização, e tenderiam a optar pela primeira opção, que expulsa o Fundo de Resolução do capital e ainda lhes dá direito a pedir uma indemnização por incumprimento contratual.

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