Portugal está sem novo Governo até Março e Orçamento do Estado só lá para Junho, tudo por causa da anulação de 157 mil votos de emigrantes portugueses, situação que levou o Tribunal Constitucional a determinar por unanimidade a repetição desses actos eleitorais nas assembleias do círculo da Europa, nas quais tenham ocorrido irregularidades.

Uma decisão inédita e que diz muito sobre a racionalidade e bom senso da lei eleitoral tantas vezes criticada mas nunca alterada, o país parece que continua a banhos.

Entre histórias de terrorismo e de fajutas dark webs, espectáculos deprimentes em campos de futebol e julgamentos de poderosos que parece que ficaram atolados numa lama útil para os mesmos, pois nunca mais é conhecida nenhuma sentença, continuaremos na dúvida sobre quem António Costa escolhe para o pré-anunciado Governo mais enxuto, também apelidado de task-force para o crescimento.

Uma das incógnitas é se o primeiro-ministro conseguirá recrutar para lá do PS e quem. Antes da maioria absoluta, muitos auguravam um fim de ciclo do Governo, apontando que mesmo para uma remodelação ministerial era complicado para António Costa pescar talento na sociedade civil. Ora, com este novo horizonte (não, não é piada com o slogan de Rui Rio, “Novos Horizontes para Portugal”) de estabilidade política para os próximos quatro anos fica pelo menos mais sedutor o isco para ir caçar novos rostos independentes.

A outra dúvida é se, finalmente, Costa decide levar Ana Catarina Mendes para o Executivo. Recorde-se que, numa entrevista à CNN, Costa atacou Rio afirmando que “ser candidato a primeiro-ministro sem experiência governativa é um enorme risco”. Então, sendo ela o único dos pesos-pesados do partido sem essa experiência e tendo também o apetite para uma sucessão futura, era mais que lógico que lhe fosse dada essa oportunidade. Porque os restantes tubarões estarão no elenco.

Pedro Nuno Santos, Mariana Vieira da Silva, José Luís Carneiro, Fernando Medina (nas Finanças, provavelmente, mas que daria um excelente Provedor da Santa Casa da Misericórdia), Marta Temido e Duarte Cordeiro que, como eu disse na CNN, será trabalhado para apresentar uma candidatura forte e ganhadora à Câmara de Lisboa em 2025.

A única certeza está em Belém. Com um papel muito mais mirrado do que esperaria, em virtude do eixo da centralidade do poder estar num governo de maioria absoluta, mas não destituído das suas capacidades políticas, Marcelo Rebelo de Sousa estará vigilante, fiscalizador, será o alarme que toca se o PS pisar alguma linha vermelha.

António Costa sossegou os portugueses ao dizer que “maioria absoluta não significa poder absoluto”, mas palavras leva-as o vento e a tentação do poder absoluto é apelativa e um delicioso canto da sereia. A válvula de segurança contra a asfixia da maioria absoluta está em Belém. Abraços e selfies já não bastarão para um segundo mandato que decidirá o seu legado e como passará para a história. E será sempre melhor contar aos netos que foi “o vigilante” e não apenas “o afectuoso”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.