O ministro das Finanças entrou na conferência para apresentar a proposta de Orçamento do Estado de 2020, em modo de combate.

Antes mesmo do primeiro round (de perguntas dos jornalistas), Mário Centeno levantou os braços para mostrar que é o campeão em título, com um palmarés de quatro troféus de orçamentos passados, e que vinha confiante.

Tinha razões para isso. No discurso inicial, gabou-se da trajétoria que tem “credibilizado” a política económica, da elaboração do documento em tempo recorde e, especialmente, do excedente orçamental, o primeiro na era da democracia e que o torna “histórico”.

Continuidade, convergência económica com os pares europeus e coesão dentro do Governo na preparação do Orçamento foram os termos que fizeram parte do aquecimento para a luta.

Ding-ding, primeiro round: porque é que a atualização dos escalões de IRS em 2020 vai ficar abaixo da inflação prevista para o próximo ano? Centeno respondeu golpeando o passado, recuando ao tempo do bad boy José Socrates e a um exemplo de quando, em 2009, a “imprudência” de depender da inflação futura correu mal, pois ela desiludiu.

Logo a seguir, defendeu um golpe vindo da esquerda. Como é que vê as propostas dos partidos para uma redução do IVA da eletricidade para a taxa mínima? Contragolpe de Centeno, dirigido principalmente ao ex-parceiro de combate, o Bloco de Esquerda. O Orçamento é um exercício de escolhas e todas elas têm custos, quer em termos de mais impostos ou de desistência de outras prioridades. No final desse round, o ministro mostrou o seu killer instinct, atacando que é “preciso fazer contas” e que os partidos que “tenham veleidades” de fazer propostas dessa dimensão têm de explicar como é que se financia a medida.

O round seguinte foi o mais intenso. O que diz sobre notícias que relatam de divergências com outros ministros, incluindo António Costa? Com a concentração e ímpeto no máximo, Mário Centeno ergueu os punhos para se proteger. Não há batalhas internas, defendeu, e não sabe de onde partiu o eco sobre esse tema. Defesa feita, novo contra-ataque: se vem de fontes anónimas, são os jornalistas que não estão a prestar um bom serviço ao país.

O ministro provavelmente ganhou o combate, mas só aos pontos. Logo a seguir, os comentadores habituais começaram a verter vaticínios: Centeno é obcecado pelo excedente, o Orçamento é insuficiente, pouco ambicioso, nada realista ou vago para agradar a todos e a ninguém.

A proposta pode até ser um bocado de cada uma dessas coisas, mas acima de tudo é insuficientemente surpreendente para desviar a nossa atenção daquele que poderá ser um dos maiores tabus de 2020. Existe mesmo uma divergência entre os dois membros mais poderosos do Governo? Centeno diz que não, mas vamos ter de esperar para ver. Nem sempre há fogo onde há fumo. Mas muitas vezes há mesmo.