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Mário Soares: o legado económico do Presidente

O pai da democracia foi também o percursor da economia de mercado. Soares estancou o “impulso coletivista” e pôs Portugal na rota europeia.
13 Janeiro 2017, 06h54

Ainda os avatares das nacionalizações de 11 e 12 de março de 1975 estavam a provocar alvoroço na economia portuguesa, quando o antigo presidente da República Mário Soares convidou Jorge de Mello e o seu irmão José Manuel de Mello para um almoço na sua casa de Nafarros.

Só faltava o ex-cunhado de ambos, António Champalimaud, para que parte substancial do PIB do antigo regime estivesse reunido à mesma mesa. E a mensagem que Soares quis passar-lhes haveria de ser repetida em diversas circunstâncias: o país precisava de investimento dos empresários para sobreviver e, mais ainda, para se posicionar como elegível para o conjunto da então chamada Comunidade Económica Europeia (CEE).

Soares era o primeiro a admitir que não sentia grande apreço pelos temas económicos – fez parte de uma geração de humanistas europeus que se habituaram a manter empresários e gestores sob o interesse, que consideravam maior, da causa comum da política, muitas vezes em detrimento ou mesmo em oposição à causa privada dos empresários.

O Estado como regulador
Mas a sua intervenção política deu-se sempre – para além dos dois pedidos de ajuda externa endereçados ao FMI (1977 e 1983), o último deles para olear os motores económicos que permitiriam ao país aderir à CEE, cujas negociações tinham sido iniciadas antes de 1974 – no sentido da economia de mercado.

“Fui dos primeiros socialistas europeus a defender que o socialismo democrático era perfeitamente compatível com a economia de mercado e com o respeito pelas suas regras, embora também sempre defendesse que era indispensável que o Estado funcionasse como o corretor natural das desigualdades provocadas pelo mercado. Estimulei os empresários a regressar e a recomeçar a sua vida profissional em Portugal. Fiz aprovar três leis perfeitamente decisivas: a lei da Delimitação dos Sectores, a lei da Reforma Agrária e a lei das Indemnizações. Estanquei o impulso no sentido do colectivismo e estimulei por todas as formas a economia de mercado”, diria, 20 anos mais tarde, numa extensa entrevista à jornalista Maria João Avillez.

A primeira delas foi certamente a menos conjuntural e a mais importante, dado que colocou o país onde nunca tinha estado: na economia de mercado – sistema que o antigo regime também nunca adoptara, dadas as leis da contingentação industrial. A lei da Delimitação dos Sectores tinha sido criada em 1977 e retirara aos privados a possibilidade de investirem na banca, seguros, águas e saneamento básico, correios e telecomunicações, transportes coletivos, portos e aeroportos. Em 3 de novembro de 1983, uma quinta-feira, Mário Soares preside ao Conselho de Ministros (do governo do Bloco Central) que reabre os setores da banca, seguros, cimento e adubos à órbita do investimento privado.

A via da Europa
Pouco tempo depois, em março de 1985, o seu amigo Artur Santos Silva transforma a Sociedade Portuguesa de Investimentos no banco BPI. Três meses depois, Jardim Gonçalves – contactado durante uma viagem presidencial de Ramalho Eanes a Espanha – lança o BCP. “Sempre que ia ao estrangeiro, uma das minhas preocupações era dialogar com os empresários e quadros que se tinham refugiado na Europa e no Brasil, pedindo-lhes que regressassem a Portugal”, contava Mário Soares na mesma entrevista.

A história há de dizer se, com isto, Soares meteu o socialismo na gaveta ou se limitou a antecipar o casamento entre socialismo e economia de mercado, que a China haveria de vulgarizar umas décadas mais tarde. Mas as iniciativas de Mário Soares na economia foram uma garantia eficaz contra a coletivização (tentada entre março e novembro de 1975) e o suporte necessário e suficiente para a assinatura do Tratado de Adesão em 12 de Junho de 1985. O aprofundamento deste caminho – e também, segundo alguns, a deriva para o neoliberalismo e a nebulosa que envolveu indemnizações e reprivatizações – ficaria a cargo de Cavaco Silva.

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