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Marta Temido sai de Portimão com aura de alternativa ao “herdeiro aparente”

Ministra da Saúde é vista como uma alternativa a Pedro Nuno Santos junto da ala mais à esquerda do PS, cujos militantes mais facilmente poderá convencer num cenário de sucessão do atual secretário-geral do que Fernando Medina, Ana Catarina Mendes ou Mariana Vieira da Silva.
  • Foto: António Pedro Santos/Lusa
30 Agosto 2021, 07h42

Para quem só passou a ter cartão de militante socialista no sábado, recebido das mãos de António Costa perante o olhar dos participantes no 23.º Congresso Nacional do PS e as lentes das câmaras que levaram o momento a quem não estava na Arena de Portimão, Marta Temido conseguiu a proeza de sair do Algarve com estatuto de candidata a futura líder do partido. Juntando-se aos quatro nomes apontados há mais (Pedro Nuno Santos e Fernando Medina) ou menos tempo (Ana Catarina Mendes e a ainda mais recente Mariana Vieira da Silva) à sucessão de Costa, mas com o “bónus” de apresentar características que a tornam uma rival do ministro das Infraestruturas potencialmente mais difícil do que todos os restantes.

Tal como Pedro Nuno Santos, encarado desde há muito como o líder informal da ala mais distante do centro no PS, Marta Temido tem sido o rosto de políticas de esquerda, patentes na promoção do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e numa relação não raras vezes agreste com a iniciativa privada nesse sector. Há dois anos, numa entrevista à “Notícias Magazine”, a então independente dizia ser evidente que estava “numa linha mais à esquerda” e, num desabafo muito citado, confessou ter o hábito de ouvir “A Internacional” – embora identificasse o centenário hino do movimento socialista como “o hino da CGTP Intersindical” – quando se sentia “muito irritada”.

Marta Temido garantia ainda há dois anos estar bem na sua “pele de independente”, considerando que essa independência poderia “ser uma vantagem para todos”, e em Portimão preferiu ser evasiva quanto à possibilidade de se ter juntado na linha de partida para a corrida à sucessão de Costa, provavelmente a longo prazo, competindo com o ministro das Infraestruturas, o candidato à reeleição como presidente da Câmara de Lisboa, a líder do grupo parlamentar do PS e a ministra da Presidência. “O futuro é uma coisa sempre ampla e nunca se sabe o que nos pode trazer”, disse neste domingo, no encerramento do 23.º Congresso.

Também António Costa alimentou a aura de alternativa ao “herdeiro aparente”, Pedro Nuno Santos, ao qual sentira necessidade de recordar no congresso anterior que “não metera os papéis para a reforma”. Numa entrevista à Rádio Observador, realizada no decurso dos trabalhos na Arena de Portimão, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro admitiu que a ministra da Saúde poderá muito bem apresentar-se a uma sucessão que pode ou não ocorrer em 2023, embora ninguém no partido acredite que Costa se furtará a ir a votos nas próximas legislativas para continuar a governar. “Pode ser a sucessora. Daqui a dois anos já terá tempo de militância suficiente para se candidatar”, comentou o secretário-geral.

Embora seja invulgar a ideia de uma recém-filiada aspirar à liderança do PS, Marta Temido encontraria precedente na forma como o ex-presidente da Câmara do Funchal, Paulo Cafôfo, que em 2013 conquistou a principal autarquia madeirense ao PSD, sendo reeleito quatro anos mais tarde, ascendeu à liderança do PS-Madeira. Ainda independente quando saiu do município para liderar a lista do PS às eleições regionais de 2019, ficando pouco distante daquilo que seria uma vitória histórica na região autónoma, Cafôfo beneficiou de um adiamento nas eleições internas dos socialistas madeirenses, justificadas pelas restrições de saúde pública causadas pela pandemia de Covid-19. Em julho de 2020, quando foi eleito presidente, cumprira o prazo estatutário após a sua filiação, em 2019, por proposta do próprio António Costa.

Depois de ter esclarecido há muito tempo que o sucessor não tem necessariamente de ser um homem, referindo-se à suposta inevitabilidade de uma disputa entre Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, António Costa não só alavancou o peso de Ana Catarina Mendes quando a apontou secretária-geral-adjunta – no início desta legislatura José Luís Carneiro substituiu a agora líder do grupo parlamentar, mas não antes de o seu peso dentro do “aparelho” socialista aumentar – como deixou Mariana Vieira da Silva enquanto primeira-ministra em exercício durante as suas férias de verão, que coincidiram com as de Augusto Santos Silva e Pedro Siza Vieira, os outros ministros de Estado com precedência sobre a titular da pasta da Presidência. Agora, com o momento da entrega do cartão de militante a Marta Temido, logo de seguida recompensada no “aplaudómetro” dos congressistas, a ministra da Saúde ganhou um protagonismo inesperado, correspondente à sua habitual boa posição nas sondagens que avaliam o desempenho dos membros do Executivo.

Certamente não por coincidência, Pedro Nuno Santos entrou e saiu calado da Arena de Portimão, dizendo apenas aos jornalistas que “nem sempre se tem de falar”. Ainda terá ouvido António Costa gracejar com o seu atraso no início dos trabalhos, dizendo às televisões que não sabia se o ministro das Infraestruturas, nos últimos tempos assoberbado pelos problemas da TAP, “teve um furo ou adormeceu”.

Acabou por falar aos congressistas o seu amigo e companheiro de lutas, Duarte Cordeiro, com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, já na antecâmara das negociações com os partidos da ex-“geringonça” e com o PAN, para a viabilização do Orçamento do Estado para 2022, a defender que “será à esquerda que devemos procurar assegurar a estabilidade e boas políticas de que precisamos para recuperar o país e garantir o futuro”. Tendo sido escassos os apelos a entendimentos com quaisquer outras forças, nomeadamente o PSD, ficou ainda assim a mensagem, decerto partilhada com quem entendeu que não era a hora e o local para intervir.

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