Mas que acordo de melhoria de rendimentos é este?

É difícil não deduzir que se trata apenas de um acordo para “inglês ver”, por assim dizer, em que o Estado não dá o exemplo e em que as empresas a ele não se vincularão certamente.

Foi com pompa e circunstância que o senhor primeiro-ministro anunciou recentemente o “acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade”, alcançado na Comissão Permanente de Concertação Social do Conselho Económico e Social de Portugal continental.

Naturalmente que nos regozijamos com a escolha da Concertação Social, e não das ruas ou dos tribunais, como local de afirmação estratégica e prospetiva.

Estranhamos que sobre o ano de 2022 e a brutal perda de poder de compra dos trabalhadores e das suas famílias, não tenha existido uma palavra, nem uma medida eficaz de mitigação dos efeitos da inflação.

Recordo, porque a memória é sempre importante, que quando o primeiro-ministro José Sócrates, fazendo fé na Comissão Europeia, adotou políticas pró-cíclicas, mais tarde os poderes europeus não demonstraram a devida solidariedade e a República Portuguesa foi obrigada a implorar clemência perante os credores internacionais. Lembro igualmente que os portugueses sentiram, ao longo de três longos anos de resgate uma perda dolorosa de poder de compra. Agora, ao invés de três anos, bastou um ano!

A juntar à catástrofe de o ano de 2022 estar a ser particularmente penoso, o propalado acordo vem consubstanciar novas perdas de poder de compra para 2023.

Percebe-se mal se as empresas e que empresas vão implementar os aumentos. Parece ser apenas uma mera recomendação.

O próprio Estado, numa cegueira estratégica de consequências que se sentirão ao longo de décadas, parece querer desvalorizar os quadros técnicos (médicos, enfermeiros, professores, economistas, juristas, engenheiros, entre outros) ao propor para os mesmos aumentos muito inferiores aos que serão auferidos por funcionários menos qualificados.

Como se não bastasse tudo isto, esta Concertação Social é pouco representativa e por essa via cada vez mais frágil. Nela não estão representados alguns dos setores empresariais mais relevantes, como é o caso das imobiliárias, distribuição moderna e tecnologias de informação. Igualmente importante, importa notar que cerca de nove décimos dos trabalhadores não se sentem seguramente representados pela única central sindical que assinou o dito acordo.

Por tudo o que acima se refere de forma sucinta, é difícil não deduzir que se trata apenas de um acordo para “inglês ver”, por assim dizer, em que o Estado não dá o exemplo, as empresas a ele não se vincularão certamente, tal como não se vincularam desde já duas das três centrais sindicais existentes em Portugal.

Convenhamos que para acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade é curto, muito curto.

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