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Massacre de Atocha: Espanha relembra atentado tardofranquista de há 40 anos em Madrid

Há quarenta anos, Fernando Lerdo de Tejada, Carlos Garcia Juliá e José Fernández Cerrá levavam a cabo uma das mais conhecidas ações contra a transição democrática no país. O brutal assassinato levou à morte de cinco pessoas. Um dos assassinos nunca chegou sequer a sentar-se no banco dos réus.
24 Janeiro 2017, 09h04

Fernando Lerdo de Tejada Martinez pode agora sair às ruas da capital madrilena em liberdade. Procurado pela polícia espanhola desde 1979, o militante de extrema-direita nunca chegou a sentar-se no banco dos réus e agora não terá mais de fazê-lo, com a prescrição da pena a que estaria sujeito, escreve o jornal ‘El País’.

O crime de que é acusado remonta a 24 de janeiro de 1977, quando juntamente com outros dois militantes de extrema-direita invadiu um escritório de advogados trabalhistas no número 55 da rua Atocha, junto ao metro de Madrid.

Lerdo de Tejada, Carlos Garcia Juliá e José Fernández Cerrá tinham como alvo o dirigente da comissão trabalhista CCOO, responsável pela comissão de transportes em Madrid, Joaquín Navarro, que havia desmantelado a “máfia franquista do transporte”. A rede criminosa, adepta dos ideais totalitaristas e antidemocráticos, atuava de forma ilícita, fazendo concessões públicas duvidosas e impondo preços hiperinflacionados aos consumidores.

Não tendo encontrado o indivíduo que procuravam, os três extremistas dispararam indiscriminadamente sobre os presentes na sala, fazendo cinco mortos e quatro feridos graves.

O crime ocorria poucos dias depois de ter sido aprovada a Lei para a Reforma Política que previa o desmantelamento faseado do regime ditatorial franquista, abrindo a caça à demolição de todas as instituições e entidades ligadas ao regime repressivo de Franco.

 

O fim de uma era

Pressionado pela queda dos regimes autoritários na Segunda Guerra Mundial e pela instauração da democracia no vizinho território português (em 1974), o ditador espanhol Francisco Franco viu-se obrigado a ceder à pressão internacional e a trabalhar na transição do país para a democracia.

Durante mais de 40 anos, Francisco Franco havia sido o rosto do movimento conhecido como “Franquismo”. O regime era caracterizado por defender com mão firme os princípios do conservadorismo e nacionalismo, em linha com alguns dos ideais de Mussolini e Hitler.

De forma a garantir que o novo rumo que Espanha iria tomar seguia em linha com o que o desejável, Franco nomeou como seu “herdeiro político” o rei Juan Carlos [pai do atual rei em funções em Espanha, Filipe VI], mesmo depois de a monarquia ter sido extinta.

Nos períodos em que o “Caudillo” esteve temporariamente incapaz de tomar as rédeas do país, em 1974 e 1975, foi o príncipe que exerceu as funções do chefe de Estado. Após a morte de Francisco Franco, em 1975, terá sido também ele que desempenhou um papel decisivo na consolidação da democracia em Espanha.

 

A resistência de extrema-direita

Embora a transição democrática tenha sido mais ou menos pacífica, um pouco por todo o país persistiram movimentos de apoio ao antigo regime franquista.

Entre os apoiantes mais resilientes estavam os militantes de extrema-direita e alguns comandantes militares, que em 1981 haveriam de tentar um golpe militar à ainda frágil democracia instaurada e a propagação do comunismo, sob o comando de Tejero de Molina.

Ora na base do incidente no número 55 da rua Atocha estiveram precisamente as divergências com o sistema político democrático, a progressão do comunismo no país e a perda de algumas regalias sociais de outrora pelos franquistas. O desmantelamento da “máfia franquista do transporte” foi apenas a gota de água para o despoletar da resistência da extrema-direita.

 

Vítimas mortais do
Vítimas mortais do atentado tardofranquista no número 55 da rua Atocha, junto ao metro de Madrid

 

As vítimas mortais foram quatro advogados e um estagiário. Quatro pessoas ficaram ainda feridas e foram levadas para o hospital. Uma das mulheres, entretanto viúva, acabou por perder o bebé.

Pouco faltava para as 23h00 da noite e as ruas estavam parcialmente desertas. De arma na mão, os assassinos nem tiveram o cuidado de fugir, pensando ter iniciado uma Segunda Cruzada Santa, conta o jornal ‘El Mundo’. Consequentemente foram detidos dela polícia, sem qualquer dificuldade.

 

“Desapareceu da face da terra”

Mesmo antes do início do julgamento, um juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal concedeu a Fernando Lerdo de Tejada, permissão para se ausentar da prisão durante um fim-de-semana, onde tinha ficado detido juntamente com os seus dois cúmplices para primeiro interrogatório.

No entanto, nunca mais voltaria à prisão de Cidade Real. Sabe-se que teve acesso a documentos falsos e terá presumivelmente fugido para a América do Sul, onde a extrema-direita continuou na expansão dos seus ideais.O seu paradeiro nunca mais foi encontrado.

“Nunca descobrimos onde ele estava”, conta ao ‘El País’ o tenente-general Andres Casinello.

“Desapareceu da face da terra”, afirma ao jornal um dos irmãos de Fernando Lerdo de Tejada, que garante nunca mais ter mantido contacto com o foragido.

Os seus cúmplices foram julgados e condenados cada um a 193 anos de prisão. José Fernández Cerrá serviu 15 anos de prisão e saiu com a condicional em 1992. Carlos Garcia Juliá cumpriu 14 anos e foi depois para o Paraguai, onde voltou a ser detido por tráfico de drogas.

Para a história fica a épica fuga de um dos homens mais procurados em Espanha durante o século XX que ousou contestar a transição democrática do país. Se ainda for vivo, Fernando Lerdo de Tejada terá agora 63 anos e uma pena prescrita.

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