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Matos Fernandes: mandato marcado por mais energia solar e fim do carvão, com polémicas no lítio, barragens e hidrogénio verde

Promoveu a energia solar e assistiu ao fecho das centrais a carvão ao fim de mais de 30 anos. Mas houve polémicas no hidrogénio e contestação no lítio. Nunca fugiu a trocas de palavras mais acesas no Parlamento, tanto à esquerda como à direita, e aproveitou o seu último discurso no hemiciclo para criticar o PCP pela sua posição em relação à Ucrânia. Depois de ser o ministro do Ambiente mais longevo em Portugal vai agora ocupar o cargo de deputado.
24 Março 2022, 08h15

João Pedro Matos Fernandes sai do Governo com um recorde: foi o ministro do Ambiente que se manteve mais tempo no poder, num total de seis anos.

Um orgulhoso portuense, as suas entrevistas eram sempre marcadas por uma pergunta da praxe: “Vai-se candidatar à câmara do Porto?”. O ministro nunca escondeu a ambição de vir a governar um dia a sua cidade, mas a prudência, e uma admiração e respeito por Rui Moreira, mandou-o esperar mais quatro anos, até o atual autarca não se poder candidatar mais.

“Desde que D. Afonso Henriques se aborreceu com a mãe que ninguém foi ministro do Ambiente durante tantos anos em Portugal. Para já, vou ser deputado”, garantiu recentemente em entrevista ao “Expresso”.

O seu mandato ficou marcado pelos dois leilões de energia solar, os primeiros em Portugal, e com preços bem abaixo dos praticados nos leilões de energia eólica no início da década de 2000, fruto de um maior desenvolvimento da tecnologia. No total, foram leiloados dois gigawatts de energia solar em 2019 e 2020; neste ano, foi mesmo batido um novo recorde mundial (à altura) tendo sido registado o valor mais baixo por megawatt.

Ao mesmo tempo, foi durante a sua passagem pela Rua do Século, a casa do Ministério do Ambiente, que Portugal desligou  as suas centrais a carvão. Mais de 30 anos depois, 0 ano de 2021 ficou marcado pelo encerramento das centrais de Sines (em janeiro) e a do Pego (em novembro). Para este encerramento, foi crucial a taxa carvão, que atingiu o seu nível máximo este ano. A taxa carvão entrou em vigor com o Orçamento do Estado para 2018, numa iniciativa do Ministério do Ambiente. João Pedro Matos Fernandes tem sublinhado a importância da criação desta taxa para ‘obrigar’ as empresas a optarem pelo encerramento antecipado das suas centrais devido ao agravamento da carga fiscal.

Mas a sua passagem pelo Governo também ficou marcada por polémicas. O hidrogénio verde foi uma das bandeiras de Matos Fernandes. Mas passados vários anos, o único projeto com pernas para andar, aparentemente, é o de um consórcio liderado pela EDP Renováveis e que junta várias empresas em Sines. Outros projetos com pernas para andar passam pela conversão de unidades industriais para substituírem hidrogénio poluente pela nova versão amiga do ambiente.

Alguns dos projetos megalómanos anunciados nos últimos anos ainda não saíram do papel, incluindo o projeto em Sines que visava a exportação de hidrogénio para a Holanda através de navios, que entretanto morreu.

Mas o hidrogénio também provocou uma investigação judicial, embora não atingindo diretamente Matos Fernandes. Em novembro de 2020, a revista “Sábado” revelou que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ) estão a investigar vários membros do Governo por serem suspeitos de favorecimento do consórcio EDP/Galp/REN no projeto de hidrogénio verde para Sines. Entre os investigados, estarão Pedro Siza Vieira e João Galamba, avançou então a “Sábado”. À altura, não tinham sido constituído arguidos. No entanto, Matos Fernandes foi apanhado em escutas telefónicas com o próprio primeiro-ministro.

“Espero bem que quem fez essa denúncia não seja de facto um anónimo. A estratégia do hidrogénio é uma coisa clara, transparente e conhecida. Não há aqui nenhuma aprovação de projeto, não há aqui nenhum contrato, nem nenhum financiamento. Qual favorecimento? Há muitas pessoas incomodadas que Portugal deixe de ser um importador de energia e passe a ser um exportador de energia. Estou até muito satisfeito e acho que é fundamental para o país que assim seja”, afirmou Matos Fernandes em novembro de 2020, citado pela “Lusa”.

Para a posteridade também ficam as trocas acesas de palavras no Parlamento com deputados do PSD e do Bloco de Esquerda, nunca se esquivando a um confronto verbal tanto à esquerda como à direita. Na sua última ida à Assembleia da República a 15 de março, aproveitou a deixa e criticou os deputados do PCP pelas suas posições em relação à invasão russa da Ucrânia. “A Rússia invadiu com brutalidade a Ucrânia, num gesto cobarde. Sei que nem todos os deputados neste Parlamento concordam com esta afirmação, mas para mim assim é”.

Também houve polémicas em relação às concessões para pesquisar lítio. O processo tem sido muito criticado por partidos, ambientalistas e populações locais.

No entanto, e apesar de muitas críticas e de o processo não ter avançado nos últimos anos, por fim a “Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) promovida pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que sujeitou a análise oito áreas com potencial de existência de lítio, concluiu que em seis delas há condições para avançar. Nos seis locais viáveis, é proposta uma redução de área inicial para metade”, segundo comunicado do MAAC em fevereiro.

A tutela explica que nos próximos 60 dias poderá avançar o procedimento concursal para atribuição de direitos de prospeção e de pesquisa de lítio. Após o concurso, e a prospeção que tem um prazo máximo de cinco anos, “poderá iniciar-se a exploração de lítio, com cada um dos projetos a ser sujeito a Avaliação de Impacto Ambiental”.

O Governo considera que a nova refinaria de lítio em Portugal faz mais sentido no norte do que no sul do país. “A localização a ser escolhida é, naturalmente, pelos empreendedores. Parece fazer mais sentido a norte do que a sul, uma vez que apesar de também este projeto ter que importar lítio para poder funcionar em pleno, naturalmente que a norte parece mais bem localizada do que a sul, e quanto mais no interior do país, melhor. Mas essa é uma questão a que os investidores saberão responder”, disse o ministro do Ambiente a 14 de dezembro.

No seu momento canto do cisne, e numa altura em que talvez já soubesse que não iria continuar no Governo, ainda teve tempo para fazer um anúncio no Parlamento para a próxima legislatura. “Queremos também aproveitar a experiência de leilão do solar flutuante (temos 12 concorrentes para sete lotes) e fazer igual no mar, mas agora com eólica. Se estamos a falar de potências entre os dois e os cinco GW, já não será em terra que os vamos conseguir, e fica, em antecipação para a legislatura que aí vem, um grande leilão eólico para o mar português”, afirmou João Pedro Matos Fernandes na AR a 15 de março.

Outra das polémicas durante o seu mandato foi o negócio de venda das barragens da EDP à Engie por 2,2 mil milhões de euros. O Bloco de Esquerda considerou que houve “fuga ao fisco” pelo não pagamento de impostos que seriam devidos. Já as autarquias locais exigiram o imposto do selo no valor de 110 milhões. O ex-ministro disse em fevereiro de 2021 que a análise do ministério do Ambiente foi “muito complexa e demorou dez meses a fazer”, destacando que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) fez uma avaliação exigente da gestão dos recursos hídricos e da credibilidade e competência técnica do comprador, tendo merecido avaliações positivas. Em maio de 2021, Matos Fernandes acabou por anunciar o pagamento de 90 milhões às autarquias nas zonas da barragens.

Nascido em Águeda em 1967, licenciou-se em Engenharia Civil pela Universidade do Porto e conta com um mestrado em Transportes no Instituto Superior Técnico. Com passagens pelo Governo de António Guterres, em cargos com menos poder, foi depois presidente do conselho de administração dos Portos do Douro e Leixões entre 2008 e 2012, e do Porto de Viana do Castelo entre 2009 e 2012, tendo depois sido presidente da Associação dos Portos Portugueses, entre 2008 e 2010. Mais tarde, foi presidente da Águas do Porto entre 2014 e 2015, antes de chegar ao primeiro Governo de António Costa.

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