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Medina alinha o ‘seu’ OE com Programa de Estabilidade

Muitas das principais diferenças entre a proposta conhecida a semana passada e a chumbada em outubro residem no cenário macro, agora com forte influência da guerra na Ucrânia e da crise energética que o conflito agravou.
25 Abril 2022, 16h30

A proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) prevê um crescimento de 4,9% este ano, um valor mais baixo do que apresentado no primeiro documento e do que no Programa de Estabilidade 2022-2026 (PdE), com a inflação revista em significativa alta em relação à anterior proposta, que acabou chumbada. O ministro das Finanças reforça que este é o seu Orçamento, onde está previsto ainda um défice e dívida pública em linha com o PdE.

A previsão para o crescimento conhecida na semana passada constitui uma redução significativa em relação aos 5,5% inscritos na proposta chumbada em outubro, quando a economia mundial se encontrava numa situação bastante diferente e o Ministério das Finanças estava ainda sob a tutela de João Leão.

Agora, o Governo projeta um valor coincidente com o previsto pelo Banco de Portugal (BdP) em março, quando foram revistas as estimativas do banco central para a evolução da economia este ano após o agravamento da incerteza e das disrupções globais na sequência da invasão russa da Ucrânia. A previsão do Conselho de Finanças Públicas (CFP), no entanto, é marginalmente mais pessimista, apontando aos 4,8%.

O alinhamento deste cenário com as projeções das duas instituições foi sublinhado pelo atual ministro das Finanças, Fernando Medina, que destacou ainda o nível “historicamente elevado” do crescimento previsto este ano. Uma semana depois da apresentação do OE2022, o Fundo Monetário Internacional (FMI) também se mostrou menos otimista que o Executivo, ao divulgar uma projeção de 4% para o crescimento em 2022.

Barril de petróleo será chave para variação de preços
Quanto à inflação, um dos principais motores do choque económico negativo que se faz sentir na economia nacional, a nova proposta de OE aponta a um valor mais de quatro vezes superior aos 0,9% projetados em outubro, com 4%. Este valor supera também o previsto no PdE, onde se estimava uma variação de 3,3% no índice harmonizado de preços no consumidor (IHPC), o indicador de referência para Bruxelas. Ainda assim, o ministro das Finanças procurou garantir que este é um aumento “conjuntural” e sem indícios de se prolongar nos próximos anos.

“Se a escalada dos preços das matérias-primas continuar, os números poderão ser novamente revistos e os receios de uma estagflação aumentarão, ou seja, estagnação económica associada a elevada inflação”, alerta Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa. O perigo de uma espiral de inflação elevada e crescimento anémico tem sido uma das principais preocupações na Europa, estendendo-se à economia nacional.

O principal contributo para a pressão inflacionista na zona euro e em Portugal são os produtos energéticos, onde a volatilidade tem sido abundante nas últimas semanas. Não é, portanto, de estranhar que uma das atualizações mais esperadas e substanciais da nova proposta de OE se prenda com o preço médio esperado do barril de petróleo este ano. Na proposta original, o Governo projetava um preço médio de 67,8 dólares (62,48 euros) por barril, o que representava uma descida em relação ao que esperava que seria o valor médio para 2021, que era estimado à altura em 68,6 dólares (63,2 euros).

No documento conhecido a semana passada, as Finanças reconhecem um preço superior em 2021, quando o barril custou, em média, 71 dólares (65,44 euros), e projetam um preço bastante mais alto em 2022, com 104,6 dólares (96,47 euros) por barril de Brent, a referência para o mercado nacional.

“Na sua matriz de energia primária, Portugal apresenta uma dependência energética face ao exterior à volta de 70%, nomeadamente do petróleo e do gás natural”, nota PauloRosa, que continua: “o petróleo é uma variável exógena, cujo aumento subtrai riqueza ao PIB nacional, logo as empresas e o Estado português terão alguma dificuldade em repor o poder de compra dos portugueses via aumento do salário mínimo nacional, numa altura em que a aceleração da inflação é ditada, em boa parte, pela subida dos custos energéticos, sobretudo dos combustíveis fósseis”.

Medina garante que “não há austeridade”
O antigo presidente da Câmara de Lisboa aproveitou para expor as prioridades da política orçamental do novo Governo este ano, falando em “consolidação orçamental, mitigar o choque geopolítico, reforçar os rendimentos das famílias, apoiar a recuperação das empresas, investir na transição climática e digital, e recuperar serviços públicos”.

Medina defendeu que “não há austeridade” na proposta, apontando às medidas de apoio para mitigar os efeitos da crise energética que se vive na Europa. Estas incluem o desdobramento dos escalões do IRS, a redução do imposto sobre produtos petrolíferos ou medidas de capitalização, investimento e inovação avaliadas num pacote de 7,6 mil milhões de euros.

“Em nenhum dicionário do mundo esta pode ser uma política de austeridade”, argumentou, justificando esta visão com o aumento do salário mínimo e dos mínimos de subsistência. Os restantes partidos com assento parlamentar, sobretudo à direita, discordam.

Ainda assim, a ambição de Medina é atingir contas certas em breve. Para este ano, o Governo projeta um défice de 1,9%, o mesmo que havia sido inscrito no PdE e alvo de elogios pelo próprio Executivo, que realçou o facto de Portugal ser dos primeiros Estados-membros da zona euro a recuperar o cumprimento das regras orçamentais, apesar de estas estarem suspensas este ano. Este saldo deverá melhorar nos próximos anos, com o superavit em perspetiva em 2026. O FMI discorda desta previsão, apontando a uma melhoria até 0,8% naquele ano.

No outro indicador alvo das regras orçamentais de Bruxelas, a dívida pública, a visão do Governo é de um rácio de 120,7% este ano, um número mais otimista do que o previsto três semanas antes no PdE, 120,8%.

No entanto, o CFP é ainda mais otimista, apontando a 120,2% do PIB no final de 2022. Também no défice a instituição liderada por Nazaré da Costa Cabral aponta a um número mais baixo do que o Executivo, prevendo 1,6%.

Em sentido inverso, a atualização de primavera das projeções macroeconómicas do FMI prevê um cenário mais negativo, com a dívida pública a atingir os 121,6% este ano e o défice a recuar apenas para 2,4%.

Paulo Rosa realça o papel da subida do PIB nominal nestas previsões, um crescimento que, dada a inflação elevada, será significativamente mais alto do que o real.

“Impulsionado pela subida da inflação, o crescimento do PIB nominal deverá aumentar 7,5%, do anterior valor de 6,9% na POE22, o que facilita as metas orçamentais do Executivo”, explica. Tanto o défice, como a dívida pública são apresentados como um rácio em função do PIB, pelo que um aumento expressivo da base, ainda que nominal, resulta numa queda dos indicadores.

Quanto à possibilidade de um rácio de dívida pública próximo dos 100% em 2026, como projeta o PdE, tanto CFP, como FMI têm as suas dúvidas. Ao passo que o Governo estima chegar aos 101,9% daqui a quatro anos e meio, o CFP prevê 102,7% e o FMI avança com 107,3%. Já quanto à possibilidade de 2023 fechar já com um valor mais baixo neste indicador do que o registado em 2019, antes da crise Covid-19, o CFP alinha com o Governo, enquanto o FMI adia esse objetivo para 2024.

Para Pedro Brinca, economista e professor na NOVA SBE, a incerteza é o principal fator de destaque no cenário económico global, pelo que a adequação das previsões do Governo dependerá de três dimensões chave.

“Em primeiro lugar, as consequências dos debates na União Europeia sobre o fim da importação de gás e petróleo da Rússia; em segundo, os resultados dos esforços diplomáticos para que a China não seja uma válvula de escape para a Rússia no aliviar das sanções económicas que lhe têm sido impostas; e em terceiro lugar, a velocidade e capacidade dos países substituírem os produtos que importam dos países envolvidos no conflito e/ou a origem dos mesmos”, ilustra.

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