Atribuir uma ideia a alguém conhecido, conceituado e com (boa) reputação dá-lhe credibilidade. Diz-se que alguém disse e, com o tempo, o dito vira feito. Os chamados gurus constroem-se também assim: umas vezes, dizendo; outras, subscrevendo, tacitamente ou não. Não se pense que é tarefa fácil: encontrar o soundbite perfeito requer engenho e arte. Há muitos que tentam, mas são poucos os sucedidos.

No campo da gestão, Peter Drucker é um excelente candidato para apadrinhar um desses ditos impactantes. “O que é medido, é gerido” (“what gets measured, gets managed”, na suposta versão original) é, talvez, o mais célebre a ser-lhe atribuído. Daí até ao suposto corolário de que “o que não se pode medir, não se pode gerir” vai um salto radical, uma extrapolação abusiva com implicações bem mais críticas que muitos não se coibiram de dar, mantendo o patrono.

Numa ou noutra formulação, quem conhecesse um pouco do pensamento de Drucker poderia estranhar que ele tivesse dito a primeira frase (como agora se diz, dependeria do contexto), mas não teria dúvidas de que a segunda não era de sua autoria. Como outros, Drucker tem aqui o mais famoso lema que… nunca disse, a fazer fé na Fundação Drucker! Na verdade, seria mais provável que tal máxima proviesse de um dos pais da chamada “administração científica” (Fayol e, sobretudo, Taylor) ou, até mesmo, de um dos seus discípulos na prática da gestão empresarial (Henry Ford).

É sintomático que tenha sido a segunda formulação a adquirir mais popularidade, à boleia, em não pequena medida, de diligentes economistas: aquela ladainha serviu os propósitos e foi, do mesmo passo, alimentada por quem reconduzia a empresa a uma mera entidade maximizadora do valor, tendo por base uma função de produção cujos fatores se indiferenciavam na vertigem da mensuração.

Mais recentemente, o slogan ganhou nova vida no desvario das vulgatas simplistas e enganosas de alguns cultores do big data e data analytics. Caminhos vários, convergindo para uma visão reducionista da empresa a que um número crescente de estudiosos imputa a responsabilidade de muitos dos problemas do capitalismo hodierno.

Voltemos a Drucker e ao que ele terá, ou não, dito. A moda das citações subalterniza o pensamento e os conceitos. Vários textos e entrevistas atestam a importância dada por Drucker à medida, por exemplo, do desempenho da empresa, sem nunca deixar de alertar para o risco de uma visão reducionista e mecanicista da mesma, resumida a um indicador ou, pior, a uma dimensão única.

Essa inquietação demorou a fazer o seu caminho, mas teve, porventura, a expressão mais flagrante no ranking do melhor gestor, escolhido pelos seus pares, feito pela universidade de Harvard: enquanto se avaliava apenas o desempenho financeiro, Jeff Bezos foi sempre o escolhido; porém, quando se introduziram as dimensões da sustentabilidade, responsabilidade social e governance, em geral, quedou-se por um lugar bem mais modesto.

Ao focarmo-nos no que é mensurável, não estaremos a esquecer o que realmente conta? Mintzberg, sempre provocador, sugere que partamos do princípio de que não conseguimos medir o que realmente conta… Esta crise tem evidenciado a importância, na empresa, da ética, imaginação (tão prezada por Drucker), solidariedade e sabedoria.

Como dizia, com ironia, Ridgway, um contemporâneo de Drucker, “o que é medido é gerido – mesmo que não tenha sentido medi-lo e geri-lo e mesmo se fazê-lo prejudica o propósito da organização”. Gerir vai bem para lá de medir! É óbvio, não é?