Que desafios enfrenta o sector da indústria farmacêutica em 2023?
Guilherme Monteiro Ferreira – Diretor de acesso ao mercado e relações externas da GSK em Portugal
Os maiores desafios são, essencialmente, aumentar, melhorar e acelerar o acesso da população portuguesa aos medicamentos e vacinas inovadores. Estes bloqueios devem-se a diferentes fatores, mas todos relacionados com constrangimentos financeiros. Começo pelos contratos com limites de encargos, impostos pelas autoridades e que limitam o número de doentes elegíveis que podem aceder à inovação, sobrepondo a componente financeira à prioridade clínica, suportada pela evidência epidemiológica. Em algumas áreas, estes limites ao acesso à inovação têm um enorme impacto e é algo que deveria ser considerado pelas autoridades, uma vez que está a penalizar os nossos doentes e em nada contribui para o reconhecimento de Portugal como um país referência no que diz respeito à ciência e inovação. O segundo desafio que gostaria de referir passa pela pouca importância que as nossas autoridades dão à prevenção, especialmente tendo em conta a realidade sociodemográfica do país: mais de ¼ (28,5%) da população portuguesa tem mais de 65 anos, sendo que a qualidade de vida deteriora-se drasticamente após essa idade: depois dos 65 anos, os portugueses só vivem 7,3 anos com saúde, menos de metade do que acontece, por exemplo, na Suécia (16,2 anos com saúde). Face a esta realidade, é crítico repensar o investimento público dedicado à prevenção. Em 2019, o orçamento do Ministério da Saúde dedicado à prevenção representava apenas 2%, sendo que esta rúbrica engloba diversas variáveis (consultas de cessação tabágica, campanhas de educação alimentar e, também, vacinação). De acordo com a informação disponível, apenas 0,5% do orçamento da saúde é dedicado à vacinação. Todo o investimento na prevenção da doença e promoção da saúde, sobretudo através da vacinação, é altamente custo-efetivo, uma vez que atenua a morbilidade e gera poupanças, ao reduzir consultas médicas, tratamentos e hospitalizações evitáveis. Estudos independentes realizados na Europa sugerem um retorno de quatro euros por cada um euro investido. A Organização Mundial da Saúde reconheceu a necessidade de uma abordagem à vacinação ao longo da vida no seu Plano de Ação Global de Vacinação “Uma Vida Longa Para Todos”, apelando à prevenção das doenças infeciosas com maior expressão na população mais velha. Assim, e tendo em consideração que a pandemia demonstrou a importância da vacinação, em todas as faixas etárias, para uma vida mais longa e com melhor qualidade, deve ser uma prioridade das autoridades repensar o enquadramento e a atenção dada à vacinação numa perspetiva de medida de promoção da saúde ao longo da vida.
Marco Dietrich – managing director & country division head pharma da Bayer em Portugal
Do ponto de vista da Bayer, 2023 será um ano desafiante para a indústria farmacêutica em geral, e em particular na Europa e em Portugal. Observo uma clara tendência de transferência de investimentos da Europa para outras áreas do mundo por parte da indústria farmacêutica. Assim, é importante unir forças e garantir o bom ambiente do ponto de vista das políticas farmacêuticas na Europa e nos Estados-Membros, atraindo investimentos para o crescimento económico e permitindo novas melhorias no sistema de saúde de forma sustentável, garantindo medicamentos disponíveis e acessíveis para todos europeus. Especificamente em Portugal, deveria ser um objetivo comum mudar o facto de os pacientes só terem acesso a novos medicamentos dois anos após estes estarem disponíveis, por exemplo, na Alemanha, o que compromete significativamente os resultados em saúde. Outro desafio é moldar o nosso modelo de entrada no mercado, que requer adaptação, uma vez que a pandemia abalou o sistema de saúde num mundo cada vez menos previsível devido à inflação, que continua alta, e às cadeias de distribuição e fornecimento ainda frágeis devido à escassez e rutura de matérias-primas. Portanto, garantir o fornecimento de medicamentos é um desafio, além de lidar com a alta pressão de custos decorrente da inflação e da crise de energia. Temos de repensar a maneira como operamos, repensar o modelo de negócio e controlar os custos. Como consequência, teremos de nos focar no avanço da transformação digital e numa atuação mais austera e centrada no cliente. Aqui em Portugal já trabalhamos hoje de forma muito mais ágil e interagimos de forma muito mais digital com os nossos clientes do que há 12 meses. E essa estratégia é suportada pela nossa recente mudança para o novo escritório. Além disso, devemos manter a perspetiva de longo prazo e continuar a investigação incansável em medicamentos inovadores. Portanto, na Bayer investimos fortemente em novas modalidades e medicina personalizada, com potencial não apenas para tratar doenças, mas também para curar doentes que sofram, por exemplo, de cancro. Somos apaixonados por seguir a nossa missão Bayer mission “Health for all and hunger for None”. Sabemos que a dimensão do nosso negócio significa que também temos uma grande responsabilidade. Estamos preparados para a assumir e queremos assumir um compromisso ainda mais forte com a sustentabilidade, tanto no nosso sector como em ações paralelas.
Sérgio Alves – country president da AstraZeneca em Portugal
São múltiplos os desafios que a indústria farmacêutica enfrenta. Desde logo, a nível supra nacional, o desafio da revisão da legislação farmacêutica europeia, com potencial de desequilibrar ainda mais a pegada desta indústria, no tabuleiro internacional, quando a pandemia nos mostrou a imperiosa necessidade de termos uma indústria farmacêutica forte, assente em cadeias de produção regionais. Ainda a nível europeu, o processo de operacionalização do Regulamento europeu de avaliação de tecnologias de saúde a vigorar a partir de 2025, cujo objetivo último é harmonizar a avaliação de valor terapêutico no espaço europeu, acelerando, por essa via, os processos de avaliação locais, mas cujos trabalhos iniciais têm levantado questões acerca da exequibilidade da sua implementação, dados os requisitos de informação que estão a ser considerados e os tempos da avaliação, para efeitos de aprovação de introdução no mercado destes medicamentos, pela própria Agência Europeia do Medicamento. A nível local, os desafios que enfrentamos não são, infelizmente, novos e prendem-se, essencialmente, com a necessidade imperiosa de garantir a disponibilização da inovação terapêutica aos doentes a quem se destina, no tempo certo e de forma equitativa. As estatísticas anualmente publicadas pelo Patient WAIT Indicator, que permitem comparar-nos com os restantes países da UE, mostram o muito caminho que temos a percorrer, quer em tempos para o acesso, atualmente superior a 600 dias, quer nas condições em que esse acesso é permitido, que alimentam desigualdades e iniquidades. Os desafios são grandes, mas grande é também a vontade e disponibilidade para colaborar na construção de soluções que garantam que o grande investimento feito em desenvolvimento de novos medicamentos, capazes de responder a necessidades médicas não preenchidas, cumpra o seu fim último de chegarem aos doentes, continuando a contribuir para os inegáveis ganhos de vida e de qualidade de vida que o investimento da indústria farmacêutica tem proporcionado.
Andrea Zanetti – country manager da Angelini Pharma em Portugal
2023 será mais um ano desafiante para a indústria farmacêutica, pois apesar de se manterem grande parte dos desafios dos anos transatos, acrescentam-se todos os desafios inerentes ao atual contexto sócio-económico. Na Angelini a nossa prioridade mantém-se: melhorar a qualidade de vida dos doentes, através do desenvolvimento de terapêuticas inovadoras e que aportem valor acrescentado ao doente e ao sector da saúde. O contexto bastante incerto e volátil em que vivemos atualmente, incrementa os desafios que este sector enfrenta. Um dos principais novos desafios que este novo ambiente traz é ao nível do abastecimento de medicamentos ao mercado, não só pelo incremento dos custos de produção e distribuição, mas também pelas alterações que se verificam em diferentes mercados globais. Outro desafio, especialmente num país como Portugal, consiste no nível de acesso aos medicamentos. Esta acessibilidade é impactada pelo tempo e complexidade do processo de aprovação de preço e comparticipação. Este fator é fundamental para qualquer medicamento inovador num mercado de co-pagamento como é o português. Esta situação é evidente nos relatórios publicados, onde Portugal aparece com um período mais longo comparativamente com outros países da União Europeia. A demonstração do valor de novas terapêuticas tem de ser um dos aspetos mais valorizados, ainda mais depois dos anos de pandemia em que existiu uma clara priorização na área das vacinas. Além disso, tendo em consideração as necessidades dos profissionais de saúde, uma classe que tanto e bom serviço presta á nossa sociedade e que está empenhada em conseguir melhor gerir as patologias, devemos em parceria manter um elevado foco no doente. A exigência inerente a um maior foco no doente deve ser acompanhada de uma preocupação e de um cuidado mais humanizado por parte de todos, na medida em que devemos procurar e demonstrar uma maior e melhor compreensão da experiência vivida pelo doente, tanto do ponto de vista físico como emocional. A este nível, temos também assistido a uma mudança, fruto do processo de digitalização de parte dos cuidados de saúde. Este processo de transformação digital é outros dos desafios que vamos continuar a enfrentar, procurando equilibrar sempre da melhor forma as mais-valias do processo de digitalização de parte da medicina, sem minimizar o papel insubstituível da interação humana. Esta vertente humana, ganhou ainda maior preponderância no pós-covid, onde se registou um incremento de situações ao nível da saúde mental da população, fruto de diversos fatores que impactaram drasticamente a sociedade e a maneira como a mesma funciona. Toda a área da saúde mental é uma das principais prioridades da Angelini Pharma. Por último, mas igualmente importante, será fundamental focarmo-nos em questões sociais relacionadas com a saúde, tais como a literacia e a equidade de acesso aos serviços de saúde e medicamentos.
Anabela Fernandes – diretora-geral da Biogen em Portugal
O desafio passará pelo acesso à inovação, indo desde as dificuldades de acesso a medicamentos, até aos obstáculos à introdução da inovação, fatores que impactam negativamente a sustentabilidade do sistema de saúde.
2023 ficará marcado pela dificuldade de acesso principalmente no ambulatório, mas também em mercado hospitalar, situação já assinalada por entidades como a APIFARMA [Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica] e a Ordem dos Farmacêuticos. Tudo isto surge da conjugação de fatores – da inflação aos custos de energia – que criaram um desequilíbrio entre a oferta e procura de medicamentos, sobretudo na Europa, para além do aumento dos custos de produção. Face a esta realidade, vários passos foram dados, desde logo o alargamento da atuação da EMA [Agência Europeia de Medicamentos] sobre este problema, até ao delinear de um plano europeu para incentivar a produção de inovação na Europa, de forma a reduzir a sua dependência noutros mercados. Em Portugal recebemos com satisfação a revisão para cima do preço de alguns medicamentos com preços reduzidos, um passo importante no sentido de evitar a escassez de medicamentos.
No entanto, importa não esquecer que a resposta a uma gestão eficaz dos sistemas de saúde não deve passar apenas por olhar para os gastos com medicamentos. Deve sim passar pela criação de um ambiente propício à introdução de inovação e, em paralelo, à sustentabilidade do sistema. Vejamos: um medicamento que se apresenta como uma inovação, após passar o crivo da avaliação pelo INFARMED, não deveria ter de superar tantas outras barreiras impostas pelos hospitais, como as aprovações pelas comissões de famácia e terapêuticas hospitalares. Portugal continua a ser um dos países da Europa onde mais tempo decorre até à autorização de introdução de um medicamento, o que implica uma demora na resposta terapêutica que, a longo prazo, trará custos sociais e económicos. Isto sem esquecer outras questões fundamentais como uma maior aposta na investigação clínica, nomeadamente nos ensaios clínicos, ferramenta fundamental para o acesso dos doentes à inovação e até o acesso a biossimilares. Mas este caminho não se faz sozinho, sendo necessária uma concertação entre empresas, Estado e sociedade.