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Merkel rejeita críticas por dialogar com Putin durante anos

Angela Merkel tem sido criticada por ter mantido uma postura de diálogo com o presidente russo durante muitos anos. Mas rejeita qualquer espécie de revisionismo histórico: “É uma grande tragédia que não tenha funcionado, mas não me culpo por tentar”.
8 Junho 2022, 09h42

Angela Merkel pronunciou-se pela primeira vez publicamente sobre a invasão da Ucrânia pelas forças militares do Kremlin, rejeitando qualquer arrependimento quanto à forma como lidou com Vladimir Putin enquanto esteve no poder, até 2021, ciente da corrente que defende que entregou demasiado poder ao presidente russo.

Numa entrevista ao “Der Spiegel”, no teatro Berliner Ensemble na noite de terça-feira, a antiga chanceler alemã afirmou que o presidente da Rússia terá olhado para o plano de adesão da Ucrânia de 2008 liderado pelos EUA, – bloqueado pelo governo alemão -, como uma “declaração de guerra”.

Na perspetiva do presidente russo “era uma declaração de guerra” e, apesar de não partilhar dessa perspetiva, Merkel disse que “sabia como ele pensava” e “não queria provocá-lo mais”.

“Sentir-me-ia muito mal se tivesse dito: ‘Não vale a pena falar com esse homem [Putin]”, disse Merkel, que está prestes a completar 68 anos.

“É uma grande tragédia que não tenha funcionado, mas não me culpo por tentar”, acrescentou a chanceler que liderou a Alemanha durante 16 anos até 2021.

Questionada sobre se lamentava ter-se oposto ao plano de ação de adesão da Ucrânia e da Geórgia em 2008, Merkel disse que “a Ucrânia não era o país que conhecemos agora”, considerando que a “Ucrânia oligárquica e democraticamente imatura teria estado menos preparada para uma invasão do que está agora”.

“Era uma Ucrânia que estava muito dividida (…). Mesmo as forças reformistas [Yulia] Tymoshenko e [Viktor] Yushchenko estavam muito em desacordo. Isso significa que não era um país cuja democracia estava reforçada interiormente”.

Merkel justificou a decisão do bloqueio do acesso da Ucrânia à aliança militar com os melhores interesses do país: “Não pode tornar-se membro da NATO de um dia para o outro”.

“É um processo, e durante este processo eu sabia que Putin teria feito algo à Ucrânia que não teria sido bom para ela”, justificou.

Os acordos de Minsk de 2014 e 2015 foram assinados pelo então presidente da Ucrânia Petro Poroshenko para alcançar um acordo político no leste do país, mas desde então têm sido criticados por forçarem concessões enquanto o país se encontrava militarmente na retaguarda.

“Acalmou o assunto e deu tempo à Ucrânia para se desenvolver no país em que se tornou agora”, considerou.

Merkel elogiou a liderança de Volodymyr Zelensky em tempos de guerra, afirmando que o presidente ucraniano representava uma nova Ucrânia.

Na conversa, Merkel disse sentir que os problemas geopolíticos criados pelo colapso da União Soviética tinham estado presentes ao longo dos seus 16 anos no poder: “Não foi possível pôr fim adequadamente à guerra fria… a questão da Rússia permaneceu sempre”.

Merkel revelou que começou a levar a sério a possibilidade de uma invasão nas suas últimas semanas no cargo, aquando da cimeira do G20 em Roma.

“Houve pistas e falámos muito sobre o assunto”, disse Merkel, acrescentando que se apercebeu “que Putin tinha terminado o processo de Minsk”.

Merkel foi clara na condenação à invasão, mas indiciou que o Ocidente terá alguma culpa.

“O que aconteceu é um grande erro em nome da Rússia… uma ruptura objetiva com todas as regras do direito internacional que nos permitem coexistir na Europa em paz. Se começássemos a passar um século depois de outro a discutir que território pertence a quem, então estaríamos em guerra sem parar. Não partilho a opinião do Sr. Putin, para deixar isso bem claro. Mas não conseguimos criar uma arquitetura de segurança que pudesse ter evitado esta [guerra na Ucrânia]. E deveríamos pensar nisso também”, defendeu.

“Eu não acreditava que Putin pudesse ser mudado através do comércio”, disse Merkel, acrescentando que acreditava, porém, que se a cooperação política fosse impossível, era sensato ter algumas ligações económicas com Moscovo.

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