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Mikhail Gorbachev: O homem certo no momento errado

O desaparecimento do principal responsável pelo fim da União Soviética coloca um fim num tempo em que o mundo era muito diferente do de hoje. Ou talvez não.
30 Agosto 2022, 22h26

O homem que responde pelo fim da mais longa e sistemática experiência comunista, Mikhail Gorbachev, ficará para sempre na história como o presidente que selou aquilo que Lenine começara em 1917, mas também como o político que restituiu a União Soviética ao lugar de parceria com o mundo ocidental – de onde nunca verdadeiramente chegou a sair.

Ao contrário dos que dizem que Mikhail Gorbachev é apenas um dessa espécie de ‘bando dos quatro’ que acabou com o comunismo – sendo os outros a antiga primeira-ministra Margaret Thatcher, o antigo presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e o antigo Papa João Paulo II – ó último presidente da União Soviética foi de facto o homem que acabou com o regime. De nada teriam servido os avatares dos outros três se no de repente solitário cadeirão do comando do Kremlin não estivesse alguém que decidiu em determinada altura que o capitalismo de Estado travestido de socialismo em processo de execução não era afinal o caminho para o comunismo.

Mikhail Gorbachev ficará sempre ligado à história do século XX, seja porque colocou um termo numa aventura que há muito tinha descarrilado para fora dos limites que os ‘pais’ fundadores – num certo sentido apenas Lenine e Trotsky – tinham imaginado, seja porque foi o carrasco de um poder ditatorial que há muito extravasara para fora dos limites do seu próprio território.

Falta saber-se se é Vladimir Putin que tem razão ao dizer que o fim da União Soviética é um dos piores acontecimentos do final do século XX, ou se, ao contrário, esse fim foi o início de uma deriva capitalista em roda livre em ‘encalha’ constantemente nas idiossincrasias do seu próprio crescimento – como é o caso mais evidente da crise do subprime de 2007.

Para todos os efeitos, Mikhail Gorbachev acabou por tornar-se uma espécie de pária no seu próprio país – nunca tendo conseguido qualquer reconhecimento especial por ter acabado com a União Soviética, nem usufruído das prebendas com que outros gostariam de se comprazer. De algum modo, isso pode querer dizer que o próprio Mikhail Gorbachev não estaria completamente confortável com o que despoletou. Desde logo porque, ao contrário do que há de ter sonhado, o mundo em volta da antiga União Soviética e dos vários Estados que dela surgiram não compreenderam de todo o que se passava.

Não é preciso ser-se fã de Putin para se perceber que os Estados Unidos trataram, nos anos seguintes a 1991, de destratar a Rússia como se achassem – e com certeza acharam – que o desprezo era o pagamento mais correto para mais de 70 anos de comunismo. Essa humilhação internacional, reconhecida por muitos analistas que não têm nada a ver com a defesa das loucuras de Putin, marcou para sempre o mundo a partir de 24 de fevereiro passado e ninguém sabe quando deixará de marcar.

Convém não esquecer que Mikhail Gorbachev assegurou (achava ele) que o espaço vital da Rússia seria mantido – ou seja, que a NATO se manteria longe das suas fronteiras – o que acabou por não suceder, precipitando consequências que os georgianos foram os primeiros a sentir na pele.

Retirado havia muito da ribalta dos palcos das conferências – por onde circulam pretensos estadistas que têm bem menos que dizer ao mundo – Mikhail Gorbachev ficará para a história como o homem certo no momento errado: se tivesse sido o primeiro presidente da Rússia e não o último da União Soviética, talvez o mundo tivesse ganho muito com isso. Não foi assim.

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