Foi no início desta semana que encontrei a Sofia, mulher gestante a mês e meio de parir.
Não tive a oportunidade de perguntar-lhe, mas pensei largas horas sobre o receio que aquela mãe de segunda viagem poderia estar a sentir quando se apercebe do caos em que os serviços de ginecologia e obstetrícia do país se encontram neste período do ano.
Ainda que tenha percebido alguma serenidade no olhar daquela mulher – talvez porque acredite que, de uma forma ou de outra, terá apoio profissional que ela e o filho necessitam –, não deixei de pressentir a emergência de um conjunto alargado de questões, quer em relação à postura do Governo, especialmente do Ministério da Saúde, quer dos profissionais de saúde, especialmente dos médicos da área.
Mas, afinal, o que se passa?
É suposto as mães atrasarem o início de trabalho de parto até que haja médicos disponíveis nas urgências da especialidade no período pós-férias?
É suposto entenderem os argumentos dos clínicos que se queixam de falta de condições logísticas, orçamentais e humanas – ao ponto de se escusarem das responsabilidades a que formalmente estão obrigados nos serviços de maternidade e neonatal?
É suposto entenderem as limitações orçamentais e de gestão de recursos humanos do, esgotado pela Covid-19, Ministério da Saúde português?
É suposto não ser suposto que as milhares de mães e futuras confiem no Serviço Nacional de Saúde e peçam, porventura, empréstimos significativos para parir num qualquer hospital privado?
Parece-me, é claro, que o que é suposto é haver bom senso de parte a parte: tanto do lado do Governo, que deve concluir com urgência que uma manta curta pode cobrir de um lado, mas descobre do outro, o que periga o bem-estar de gestantes, jovens mães e bebés; como do lado dos profissionais de saúde, a começar pelos seus representantes formais, que parecem não entender que o povo não é tão parvo assim: as reivindicações e escusas de responsabilidade agudizam-se normalmente no período de verão e demais períodos de pausa formais – mesmo que essas pausas não se verifiquem em muitos casos nos serviços não públicos de saúde.
O ónus não deve, jamais, recair sobre as pessoas mais frágeis ou em situação de fragilidade. Mas é o que parece estar a acontecer. Ora, vamos todos a banhos, mas esquecemo-nos que nesta guerra novelesca com centenas de episódios tristemente acumulados quem está a sofrer – em muitos casos gravemente – são as mulheres que menor possibilidade de escolha têm e, em fim de linha, os bebés que não pediram para ser o móbil de uma disputa perigosa e estultificante entre adultos que querem mostrar níveis de firmeza com travos de testosterona – masculinos e femininos – que só posso qualificar de estupidamente insensíveis, próprios de países muito pouco desenvolvidos no que ao respeito pela vida humana concerne.
Meus senhores e minhas senhoras, parece ser tempo de um puxão de orelhas e de ouvirem alto e bom som: comportem-se como gente crescida, sim? Não é possível exigirem às mulheres gestantes para adiarem o parto para o período pós-férias de médicos e governantes, altura em que as tréguas costumam voltar. Entenderam?
Obrigada pela atenção.