Um dos meus principais propósitos para 2020 é minimizar a dependência da tecnologia. A mudança de ano foi uma excelente altura para refletir sobre o seu impacto nas diferentes dimensões da minha vida. No plano pessoal, é inegável a utilidade para contactar amigos e familiares, embora à custa de privilegiar a simples transação de mensagens sobre a relação pessoal; para comprar prendas e gerir a logística da entrega; ou para evitar discussões familiares nas inevitáveis reuniões familiares, como ferramenta de abstração e descompressão emocional.

No plano profissional, a tecnologia permite-nos ou obriga-nos, às vezes de forma inconsciente, a permanecer ligados aos assuntos das nossas empresas. Apesar de todas as iniciativas legislativas e sociais para garantir a desconexão tecnológica em períodos de descanso, a verdade é que ainda são poucas as pessoas nas hierarquias das empresas que conseguem realmente desligar. Não sei se estar hiperconetado faz de nós melhores profissionais ou aumenta a probabilidade de sucesso, mas a verdade é que não é fácil mudar.

Em qualquer caso, há muitos e variados motivos para tentar corrigir a incontinência digital generalizada, que em alguns casos atinge quadros com tipificação clínica. A nomofobia (“no-mobile phobia”) é o medo de ficar sem o acesso permanente ao mundo digital, frequentemente associado ao receio de perder o fio do que está a acontecer nas redes sociais (FOMO, “fear of missing out”). A instantaneidade do acesso a qualquer informação através dos buscadores facilita também a demência digital do cérebro, que não precisa de fazer esforços para lembrar dados ou procurar relações.

E, particularmente nos jovens, a tecnologia vincula-se cada vez mais a quadros de ansiedade, depressão e distorção da imagem corporal, que pode provocar um transtorno de adição à Internet – ou IAD, na sigla em inglês. Esta dependência é provocada pelo excesso de libertação de dopamina que, juntamente à adrenalina e ao cortisol (associado ao stresse), são neuroquímicos cuja produção está condicionada pelo uso da tecnologia.

Sem chegar a estes extremos, é fácil perceber em todos nós o impacto da tecnologia na crescente pobreza de tempo, dificuldade de concentração e diminuição da criatividade. Por isso, o início de um novo ano é uma boa altura para promover uma digitalização sustentável das nossas vidas, procurando uma simplicidade inteligente que reduza a nossa iniciativa de atos tecnológicos. Nesse sentido, começam a existir ferramentas acessíveis que, com base em técnicas de inteligência artificial, filtram conteúdos e programam regras. E também aplicações saudáveis que promovem a libertação de serotonina (associada à criatividade), endorfina (analgésico) e oxitocina (conexões significativas).

Sermos conscientes do impacto neurológico da tecnologia e dispor de mecanismos de medição ajudará a reprogramar as nossas rotinas. Até lá chegar, o que convém mesmo programar é uma boa dieta para nos desintoxicarmos da enorme quantidade de lixo tecnológico que está a dominar as nossas vidas.