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Ministério Público remete caso das offshore para o DCIAP

Departamento que investiga Universo Espírito Santo, Monte Branco e Operação Marquês está a analisar caso dos 10 mil milhões de euros enviados para offshores que ficaram omissos no sistema.
31 Março 2017, 07h30

A Procuradoria Geral da República (PGR) já recolheu os elementos do caso das falhas no controlo fiscal de quase 10 mil milhões de euros enviados para paraísos fiscais entre 2011 e 2014.  O caso foi agora remetido para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que tem a seu cargo as investigações ao Universo Espírito Santo e os processos Monte Branco (sobre fraude fiscal e branqueamento de capitais) e Operação Marquês. O DCIAP pondera agora abertura de inquérito, numa altura em que se avolumam as suspeitas de que a ocultação de dados das transferências para offshores não terá sido aleatória.

O Jornal Económico questionou a PGR sobre a abertura do inquérito ao caso das offshores, tendo fonte oficial avançado que “o Ministério Público encontra-se a acompanhar a situação, tendo a Procuradoria-Geral da República procedido à recolha de elementos”. Revela ainda que “esses elementos foram remetidos ao DCIAP, com vista a ponderar da necessidade de instaurar, ou não, qualquer procedimento”.

Já outra fonte da máquina fiscal adiantou ao nosso jornal que  este caso está já em segredo justiça e que se avolumam as suspeitas de crime em torno deste caso. Ao mesmo tempo, a PGR dá conta que este “trabalho de análise e ponderação” está a ser realizado pelo departamento do Ministério Público que  investiga a criminalidade organizada mais grave, complexa e sofisticada.

Também o Ministério das Finanças foi questionado se remeteu ao MP os elementos referentes às transferências ocultas com vista a inquérito, mas não respondeu até ao fecho desta edição.

Em causa estão 20 declarações sobre transferências para paraísos fiscais comunicadas pelos bancos ao fisco, relativas a transferências realizadas de 2011 a 2014, mas que não foram processadas da forma correta no sistema central do fisco.
A informação dessas declarações  terá chegado apenas parcialmente  ao sistema de controlo da Autoridade Tributária (AT) para ser tratada pela área da inspecção tributária. De fora ficaram 21.146 operações referentes a transferências para offshores que foram afectadas pelo apagão informático, num montante de perto de 10 mil milhões de euros.

Em abril de 2016, quando aquelas estatísticas foram publicadas, os números disponíveis, segundo avançou a directora geral da AT no Parlamento, “não deixavam a evidência” de que uma parte da informação não passava do sistema central para o local. Helena Borges explicou, a 7 de março na Comissão de Orçamento e Finanças, que só foi possível detectar essa anomalia em junho de 2016 quando foi feita uma alteração do sistema informático. A responsável do Fisco disse aos deputados que a actualização do software “não foi uma decisão estratégica”, mas que decorreu de se ter “aproveitado o momento para introduzir actualizações tecnológicas”, após a publicação de uma portaria que alterou o modelo 38 (declaração de operações transfronteiriças).

Relatório da IGF em meados de abril
Perante os novos dados apurados, as Finanças corrigiram as estatísticas sobre as transferências para paraísos fiscais, já no final do ano passado, com uma discrepância de 9,8 mil milhões de euros, tendo  80% deste valor partido do BES. Esta divergência levou o Governo a solicitar uma auditoria à Inspeção-Geral de Finanças (IGF), que entretanto passou a contar com a colaboração do Instituto Superior Técnico (IST), aguardando-se o relatório de auditoria para meados de abril.

Um dado é certo. Com base na documentação que foi remetida para a IGF, fontes da administração fiscal avançaram ao Jornal Económico que uma parte da informação constante das declarações feitas pelos bancos desapareceu já dentro da máquina fiscal. E suspeita-se, inclusive que o apagão informático não tivesse sido aleatório (ver texto ao lado). Ou seja, pretende-se apurar se houve alguma actividade ilícita ou pouco diligente que esteja na base dos problemas nos procedimentos e mecanismos informáticos que levassem que os dados não tivessem sido correctamente extraídos para o sistema central da AT.

Apagão surge após actualização de software
O Jornal Económico apurou que os problemas informáticos que ditaram o não tratamento da informação terão ocorrido após a actualização do software, fornecido pela multinacional norte-americana  com sede na Irlanda especialista em gestão de dados, a Informatica, que acabou por não fazer correr todos os dados constantes nas declarações entregues pelos bancos.

Em declarações à SIC, a empresa garantiu, no início de março, ainda ser cedo para saber se foi um erro do software em si ou dos utilizadores do fisco, argumentando que o sistema mudou entretanto e existem várias versões.

Já o antigo director geral da AT, José Azevedo Pereira, que esteve à frente da máquina fiscal entre 2007 e 2014, avançou na sua audição no Parlamento que os dados passam por vários armazéns, através do programa informático PowerCenter (de transmissão de dados), “ tendo chegado a um primeiro armazém [sistema local], mas não passando deste para um segundo  [sistema central e para onde os dados passam noutro formato para poderem serem tratáveis] e desse para o terceiro, o chamado data warehouse [onde fica toda a informação para a inspecção tributária].”

A este respeito a directora-geral da AT rejeitou, a 7 de março quando foi ouvida no Parlamento, qualquer indício de intervenção humana na anomalia, uma vez , uma vez que a transferência dos dados do sistema local para o sistema central da AT é feita de forma “automática”. Contudo, avisou: ”A montante e a jusante dos automatismos não posso excluir nada”, disse. Ou seja, esta transmissão de dados interage com outras ferramentas informáticas da própria AT que estão ligadas ao PowerCenter. E aqui das duas uma: ou tratou-se de um problema puramente informático em que o segundo e terceiro armazéns não tivessem espaço de armazenamento de dados suficiente. Ou houve uma intervenção humana, ao nível da programação, por forma a impedir que a informação chegasse na totalidade ao segundo e terceiro armazéns.

Recorde-se que, 18 das 20 declarações que não foram alvo de qualquer controlo inspetivo  só deram entrada no sistema da AT em 2015 e 2016. Destas, 11 foram entregues pelos bancos ainda antes das eleições legislativas de outubro de 2015, sete já depois das eleições, das quais  quatro (uma relativa a 2012, outra a 2013 e duas referentes a 2014) só chegaram em 2016,  representando um total de 2.863 milhões de euros que ficaram fora do controlo da AT.

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