Eis que, num ápice, a Europa encontra-se mergulhada num cenário de guerra, com um potencial de escalada militar e geopolítico que deve ser encarada de forma muito séria por todos, porque tem sérios impactos futuros para a sociedade. A invasão militar na Ucrânia, após várias semanas de tensões geopolíticas junto da fronteira entre os dois países, não augura nada de positivo para a estabilidade no velho continente, e aconteça o acontecer no campo de batalha – e esperemos que seja possível um cessar-fogo imediato, acompanhado de negociações diplomáticas entre os dois países – a realidade é que dificilmente o mundo, e sobretudo a europa vai ficar igual.

O regresso do espetro de uma guerra fria e clivagens nacionalistas

Por detrás da decisão da operação militar de Vladimir Putin, e da oligarquia que controla o poder na Rússia, parecem estar os planos da Ucrânia de integrar a União Europeia e sobretudo a aliança militar da NATO, que é percebida como uma ameaça que coloca em risco a segurança da Rússia, ao ficar ao alcance poder militar da aliança do mundo ocidental. A invasão foi precedida pelo reconhecimento formal de Putin das repúblicas separatistas no leste da Ucrânia, e de ordens para enviar tropas russas para estas regiões.

Mas a dimensão da invasão, e a forma como esta foi levada a cabo, deixa a entender um cenário que pode ser bastante mais assustador. O da reposição pela força, das antigas fronteiras da União Soviética, numa visão imperialista e beligerante que não tem paralelo desde que a Alemanha Nazi provocou a Segunda Guerra Mundial. E que não se julgava que pudesse ter lugar num mundo globalizado como o atual.

Um mundo mais militarizado e potencialmente desigual

Seja qual for o desfecho final do que está a acontecer na Ucrânia, existem já consequências que me parecem inevitáveis num prazo mais imediato, e que poderão moldar o mundo. Desde logo porque as sanções já implementadas, e as que se seguirão dificilmente voltarão ao ponto de partida – pelo menos enquanto não existir uma alteração significativa do regime na Rússia, o que se aparenta difícil, mesmo nom cenário em que Putin seja afastado.

Em segundo lugar, a estas mesmas sanções se juntará um clima positivo relativamente a maior reforço das estruturas militares ocidentais, onde a NATO voltará a recuperar um papel bastante relevante, que não tem desde a década de 90, após o desmembramento da antiga URSS – o que vai levar a uma maior militarização da Europa, com renovação do que é hoje a política comum da União Europeia a nível militar. E quanto mais tempo durar a campanha militar de Putin, maior será o ímpeto federalista europeu na frente de defesa e segurança, criando uma nova espécie de “cortina de ferro” que poderá colocar o mundo numa clivagem perigosa e geradora de grandes desigualdades, sobretudo num ciclo de grandes transformações e causas que exigem um esforço global.

As condições de desigualdade na saída do ciclo pós pandemia são exigentes

Acresce a esta nova “cortina de ferro” que existe já um agravamento das condições de desigualdade na transição de saída da pandemia pode gerar duas trajetórias principais algo divergentes no mundo. Nos países mais desenvolvidos, uma distribuição mais eficaz das vacinas, um programa de transformação digital da economia mais bem-sucedido e novas oportunidades de crescimento económico trazem oportunidades que podem criar uma perspetiva favorável societária de curto prazo (no sentido de rapidamente posicionar esses países no ponto de pré pandemia), mas também de médio prazo porque poderão implementar reformas que permitam tornar as economias mais resilientes para o futuro.

No entanto, muitos outros países podem ficar para trás, condicionados por baixa taxa de vacinação, continua pressão em termos de resposta sanitária, menor acesso a tecnologia ou incapacidade do estado de investir na transição digital, sobre-endividamento e falha de capacidade de investir, podem gerar mercados de emprego estagnados e problemas na sociedade.

Estes caminhos divergentes deverão tornar complexa a gestão de interesses globais comuns, como é o caso da transição climática – e que se agravará com um mundo dividido numa nova lógica geopolítica bélica e militarizada. Isto acontece desde logo porque a divergência na recuperação e no acesso a meios para as necessárias transições de tecnologia deverão fazer aumentar o nível de pobreza a escala mundial, aumentando o ressentimento antissistema dentro das sociedades, e aumentando as pressões para maior protecionismo e defesa dos interesses nacionalistas contra a globalização.

Porque é preciso travar já esta nova cortina de ferro. Mobilização em torno da paz

Esta combinação de agravamento dos conflitos no leste da europa em conjunto em conjunto com a necessidade de garantir iguais condições de combate às transições climáticas pode representar um circuito gerador de crises humanitárias – como aumento da pobreza extrema ou deterioração das condições de vida e dos direitos cívicos de centenas de milhões de pessoas pelo mundo, causadas pelo acentuado aumento dos protecionismos e dos conflitos militares.

É preciso que todos nos mobilizemos para que estes conflitos sejam levados para a esfera da diplomacia de forma a que não se deteriore ainda mais esta clivagem militarizada, e que faça cair novamente uma cortina de ferro sobre o mundo.

Todas as iniciativas de protesto publico em favor do fim do conflito são de enorme importância para que exista pressão internacional em favor de uma solução que respeite não apenas a autodeterminação de um país que foi agredido – a Ucrânia – mas que seja clarificadora quer esta também não se trata de uma agressão do povo Russo (que não quer ver o seu país, nem os seus filhos  arrastados para conflitos militares globais), mas sim de um regime que vive há muito tempo – talvez demasiado – com a complacência de todos os democratas europeus e ocidentais.

O exemplo cívico vem dos jovens – a manifestação de domingo passado

A manifestação pela paz no domingo passado em Lisboa, foi um exemplo do que podemos fazer para dar força à pressão internacional sobre Moscovo. As maiores juventudes dos partidos portugueses do centro político nacional juntaram-se para organizar um protesto aberto ao conflito e que pode trazer implicações gravíssimas para o futuro. Foi certamente um exemplo de grande responsabilidade destas estruturas, que tantas vezes são maltratadas publicamente.  A guerra pode estar longe, mas as suas consequências estão mais próximas de Portugal do que muitos imaginam. É bom que se faça algo para relembrar os portugueses disso mesmo. Sobretudo os portugueses que têm idade suficiente para ainda se recordar do mundo divido e fechado sobre si próprio.