[weglot_switcher]

Monese: abrir conta bancária demora 120 segundos

O suplemento ‘Especial FinTech’, que será publicado amanhã com a edição semanal do Jornal Económico, abordou o impacto da entrada das FinTech no sistema financeiro. Norris Koppel, fundador da FinTech Monese, quer dar serviços bancários de uma forma rápida, fácil e intuitiva. A Monese demonstra o potencial inovador das FinTech.
  • Cristina Bernardo
21 Fevereiro 2019, 07h49

Norris Koppel (na fotografia) emigrou da Estónia para Londres, onde não conseguiu abrir uma conta bancária. Não gostou e decidiu fundar a Monese, uma FinTech que permite criar uma conta em qualquer país da União Europeia em 120 segundos, através de uma app.

O fundador e CEO da Monese esteve em Lisboa, onde abriu recentemente um escritório e falou com o JE sobre o futuro da empresa, da banca e dos consumidores que procuram serviços de excelência, rápidos e cómodos. Aos 41 anos, Koppel não tem medo dos bancos e não se quer tornar num banco: “obter uma licença bancária iria obstar ao crescimento do negócio”, disse.

O que o levou a fundar a Monese?

Quando me mudei para Londres não consegui abrir uma conta no banco. Na altura, tive de usar a conta de um amigo, onde recebia o meu salário. Só passados alguns meses é que consegui abrir uma conta e achei esse processo ridículo. Antes de fundar a Monese, em 2013, procurei saber porque é que um estrangeiro tinha dificuldades em abrir uma conta no Reino Unido. Percebi que a razão principal é que os mecanismos de verificação de identidade dos clientes que os bancos usam são muito antiquados. Com a tecnologia moderna, superamos essas barreiras.

A Monese só chegou ao mercado em 2015, mas foi fundada em 2013. O que fez nesse período?

Tivemos de criar tecnologia bancária. Nós temos uma ambição global e, na altura, não havia uma tecnologia escalável, modulável e que pudesse ser utilizada em diferentes países. Por isso, tivemos de inventá-la. A tecnologia da Monese permite-nos agregar informação sobre os clientes, independentemente do país onde nasceram. Desta forma, conseguimos apurar a identidade dos nossos clientes e saber, por exemplo, que não são terroristas nem operadores de lavagem de dinheiro.

Para abrirmos uma conta bancária com a Monese, precisamos de um email, um smartphone com uma câmara, um documento que comprove a identidade e 120 segundos do nosso tempo.  Isto demonstra a inovação das FinTech?

Atualmente estamos a viver o futuro dos bancos. Quando fundei a Monese não havia nada parecido. Não era possível abrir-se uma conta bancária em dois minutos. Quando chegámos ao mercado em 2015, fomos uns dos primeiros a fazê-lo. E, em apenas quatro anos, as pessoas já encaram com normalidade este tipo de processo.

Quem utiliza a app da Monese?

O nosso cliente típico tem entre 30 e 32 anos de idade e vive num país diferente daquele onde nasceu. Normalmente recebe um salário médio, o que corresponde, no Reino Unido, a cerca de duas mil libras por mês. A Monese tem contas bancárias primárias e 75% dos fundos que processamos correspondem a pagamentos de salários. Independentemente do país onde se encontram, verificamos que os nossos clientes têm hábitos de consumo parecidos, isto é, pagam as contas de casa ou a alimentação. Percebemos que os nossos clientes queriam ter várias contas com cartões associados e a possibilidade de conseguirem fazer transferências. Além disso, a nossa app informa os nossos clientes sobre a sua vida financeira, para gerirem melhor o seu dinheiro. Por exemplo, se eles têm pagamentos recorrentes, a nossa app diz-lhes que em determinado dia terão de pagar determinada conta.

Qual é o vosso próximo passo?

Começámos como uma conta corrente no Reino Unido, que foi o nosso ponto de partida. Mas a nossa ambição sempre foi global e a visão que eu tenho consiste em dar acesso a serviços bancários a todas as pessoas. Por exemplo, se uma pessoa for para Portugal ou para o Canadá, a Monese deve estar presente e, com um simples toque num botão, permite-lhe aceder facilmente aos bancos locais. O objetivo é dar aos nossos clientes acesso a serviços bancários onde quer que se encontrem. É neste ponto que a Monese se diferencia dos bancos, que são tipicamente criaturas muito domésticas e não escalam assim tão bem. Atualmente, devido às restrições regulatórias, qualquer pessoa que viva na União Europeia pode abrir uma conta bancária através da Monese, ou seja, consegue ter uma conta do Reino Unido ou de outro país qualquer da UE. E, se quiser efetuar transferências para contas norte-americanas, por exemplo, já o pode fazer. Nesse aspecto já somos verdadeiramente globais.

Não sente a necessidade de obter uma licença bancária europeia?

A determinada altura, os nossos clientes vão querer ter acesso a crédito e contas poupança. Estamos a trabalhar nesse sentido. Ainda este ano vamos introduzir na nossa app produtos de crédito ou de poupança. Mas como não estamos a emprestar o nosso capital, não precisamos de licença. No fundo, somos intermediários entre os bancos e os nossos clientes. Através da integração de Interfaces de Programação de Aplicações (designados pela sigla inglesa API) conseguimos trabalhar com bancos e até outras Fintech para fornecer os mesmos serviços aos nossos clientes. Isto é, por exemplo, em Portugal os nossos clientes terão acesso a financiamento dos bancos ou outras FinTech e nós seremos apenas intermediários. Por isso não precisamos da licença. Nós estamos focados na experiência dos clientes e queremos que eles consigam tratar de todas as suas necessidades financeiras sem saírem da app da Monese. Por exemplo, se um cliente quiser comprar um carro, a nossa app pode dar-lhe as melhores opções de financiamento e, com um simples toque num botão, o crédito entra na conta da Monese em tempo real.

Além disso, nós somos regidos pelas regulações de moeda eletrónica que norteiam a nossa atividade na Europa. Contrariamente, uma licença bancária iria ser um obstáculo à nossa expansão e crescimento, porque tipicamente têm um alcance doméstico, não conseguindo escalar para os Estados Unidos ou para o Canadá, por exemplo. É preciso também ter em conta que uma licença bancária impõe um capital mínimo muito elevado, equipas com mais pessoas e estruturas mais pesadas. Desde que os clientes obtenham aquilo que esperam de um banco, ou seja, contas bancárias, cartões e serviços de pagamentos, com rapidez, um melhor serviço e um preço mais competitivo, não precisamos de licença bancária.

Na sua opinião, como é que os bancos tradicionais encaram as FinTech?

O que estamos a observar é que os bancos estão a reduzir o tamanho, especialmente no Reino Unido, onde estão a fechar balcões e a despedir pessoas. Eu diria que a revolução das FinTech está a ter impacto na tomada de decisão dos bancos. Eu falo diariamente com profissionais da banca e percebo que os bancos estão a tentar aprender com as FinTech, como nós. Neste momento, estamos na crista da onda da revolução das FinTech e os bancos precisam de se adaptar e não podem ficar parados na sua zona de conforto. Eu falo diariamente com profissionais da banca e percebo que os bancos estão a tentar aprender com as FinTech, como nós. Neste momento, estamos na crista da onda da revolução das FinTech e os bancos precisam de se adaptar e não podem ficar parados na sua zona de conforto. E, no final dia, o consumidor é que ganha porque os custos, a rapidez e a conveniência dos serviços bancários estão a evoluir em seu benefício.

Considera que a banca tradicional tem medo das FinTech?

Eu creio que os bancos deviam focar-se na experiência do consumidor, caso contrário não terão clientes eventualmente. Se é medo ou não, é outra questão. O que posso dizer é que o mundo está a evoluir e os bancos têm de acompanhar essa evolução. Nesta medida, todos precisam de inovar, seja os bancos, seja as FinTech. Todos têm que lutar em nome da experiência do consumidor, caso contrário morrerão.

No futuro o mercado terá escolhido um vencedor: serão os bancos tradicionais, que têm capital, ou serão as FinTech, que têm tecnologia e inovação?

A fórmula vencedora seria a inovação combinada com capital. Mas, sinceramente, não vejo no futuro o cenário “one winner takes all”. Isto não é uma situação como a Uber versus táxis. Acho que coexistirão vários vencedores porque existem milhares de FinTech que servem diferentes nichos de clientes. Cada um, bancos e FinTech, têm de se especializar. Na minha opinião, a Monese criou o seu próprio mercado e por isso não compete com os bancos tradicionais nem com os neo bancos, como a Revolut. Isto porque os nossos consumidores típicos vivem noutro país que não o de nascimento e estabelecem-se no país de acolhimento. Isso quer dizer que os nossos clientes têm uma relação bancária nos países onde nasceram, mas não com o país onde foram viver. E a Monese torna-se nessa relação: criámos um mercado. Por isso, bem vistas as coisas, não tirámos clientes aos bancos incumbentes no país de acolhimento, porque esses bancos nunca tiveram uma relação com o cliente que imigrou. E também não estamos a competir com outras FinTech porque os nossos clientes têm características únicas, uma vez que têm um histórico internacional. Neste ecossistema toda a gente fica a ganhar: o consumidor ganha, porque consegue abrir uma conta bancária no país de acolhimento; nós ganhamos porque angariamos mais um cliente; e os bancos ganham porque trabalham connosco para conseguir fornecer determinados produtos que nós não conseguimos dar diretamente, como financiamento.

Já alguma vez pensou na possibilidade de ser adquirido por um banco?

Foi uma opção que já se colocou, houve aproximações. Mas nós não as tomámos em consideração, significaria que tínhamos falhado porque tornar-nos-íamos numa mera funcionalidade de um banco e não serviríamos bem os nossos clientes. Nós queremos dar acesso a serviços bancários facilmente e duvido que um banco que nos adquirisse tenha a mesma visão que nós. Nesse sentido, um IPO seria um cenário mais realista e serviria melhor a nossa missão. Mas ainda é cedo para pensar nisso.

Em 2018 a Monese abriu um escritório em Portugal. Que opinião tem da infraestrutura bancária portuguesa?

Sinto dificuldades em tecer juízos de valor sobre a infraestrutura bancária de cada país, incluindo Portugal. Regra geral, na Europa, eu sinto que todos os países têm de melhorar o sistema bancário. Aproveito para lhe dizer porque resolvemos abrir um escritório em Lisboa.  Nós queríamos uma cidade europeia que fosse multicultural, com acesso a talento, uma boa qualidade de vida e com bons acessos. Lisboa tem isso e aqui conseguimos construir uma boa equipa, sólida e com várias competências. Se quiséssemos apenas um centro de apoio ao cliente, teríamos ido para outro país.

Quantas pessoas estão a trabalhar em Lisboa?

Neste momento temos 15, mas queremos triplicar o número de colaborares até ao final deste ano. O nosso escritório em Lisboa será transversal às nossas operações, teremos web developpers, designers, apoio ao cliente, community managers e especialistas em redes sociais. Atualmente a nossa app está traduzida em onze línguas diferentes, ou seja, quando um português utiliza a nossa app, tudo está em português. Isso traz um sentimento caseiro à experiência do cliente. Se o cliente tem um problema, basta ligar e temos um operador que fala em português. Nós queremos que esse cliente sinta que tem acesso a um serviço bancário português. E é exatamente isso que queremos alcançar: transformarmo-nos num ‘banco’ local no bolso dos clientes.

O mercado português tem potencial?

O mercado português está num dos nossos Top 5. Progredimos bastante, mas a app da Monese ainda não está massificada em Portugal. Temos à volta de dez mil clientes, mas a operação em Portugal ainda tem pouco tempo.

Quanto é que vai investir em Portugal na operação portuguesa?

Tendo em conta o crescimento do nosso negócio, queremos contratar mais pessoas, não só em 2019, mas também no ano seguinte. Em Lisboa, o investimento será nesta linha. Portanto, temos previsto fechar este ano com 45 colaboradores, e em 2020 os números apontam para cem pessoas.

Em relação ao futuro da Monese, recentemente conseguimos levantar 60 milhões de euros e vamos investir na implementação de equipas de produto e também na nossa expansão internacional. Tudo o que conseguimos até agora, isto é, mais de 700 mil clientes, é apenas o ponto de partida. E conseguimos alcançar estes números com 17 milhões de dólares. Agora que temos o triplo do dinheiro, vamos começar a crescer verdadeiramente.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.