Nos anos 80 os Dire Straits lançaram uma música que se tornou um dos hits da década, em que um comerciante de eletrodomésticos compara (de forma cantada) o seu trabalho na loja com a invejável vida de uma estrela de rock cujo videoclipe passa na MTV. “Money for nothing, chicks for free” dizia ele relativamente à sorte da estrela de rock.

Se esse comerciante se mostrava chateado com a facilidade com que uma estrela de rock amealhava dinheiro nos anos 80, ficaria provavelmente chocado (ou mesmo revoltado, como muitos se encontram) com as histórias mundo pós-Covid…

No pós-Covid money for nothing deixou de ser a exceção para uma estrela do rock, para passar a ser dia a dia da economia global e dos mercados financeiros. Ora vejamos:

  • Desde março de 2020 a Reserva Federal criou mais de $4 biliões para comprar dívida ao mercado (o equivalente a perto 15% do total da dívida pública norte-americana);
  • Na zona euro, o Banco Central Europeu fez o mesmo no montante de 3,5 biliões de euros;
  • O governo norte-americano enviou mais de 3.000 dólares a cada cidadão (que não tenha rendimentos acima de um máximo de 80 mil dólares por ano), independentemente da sua situação laboral. O até então utópico helicopter money;
  • Cerca de 14 biliões de dólares de dívida a nível global negoceiam atualmente com taxas de juro negativas. Ou seja, os investidores pagam ao devedor pelo privilégio de lhe emprestar dinheiro;
  • No final de julho deste ano (ou seja, em 7 meses), os fundos de venture capital já tinham investido um montante recorde anual de mais de 250 mil milhões de dólares a nível global. Até ao final do ano, é plausível que o total chegue ao dobro do último máximo registado. Por promissoras que seja, muitas das empresas que angariam capital de fundos de venture capital mal geram lucros;
  • O mercado de criptomoedas continua a crescer a um ritmo estonteantemente volátil apesar do seu valor acrescentado continuar a ser, no mínimo, de difícil perceção. Recentemente, a “capitalização” do mercado de criptomoedas ultrapassou os 2 biliões de dólares. Dentro de poucos dias, esse montante pode ser apenas metade, ou o dobro (para efeitos de comparação, segundo a definição de oferta monetária mais consensual, atualmente existem cerca de 20 biliões de dólares em circulação);
  • Recentemente, um escultor vendeu uma peça de arte invisível (certo, nada, portanto) por 15 mil dólares;
  • Artigos para colecionadores, como cartas ou videojogos, também têm estado a ser uma fonte de fácil enriquecimento. Recentemente, um videojogo fechado (pormenor importante) do Super Mario foi vendido por mais de 2 milhões de dólares. Uma carta Black Lotus, do jogo Magic: The Gathering, foi vendida por mais de meio milhão de dólares.

Outras tantas histórias mirabolantes ficam por contar, mas estas são suficientes para ilustrar a peculiaridade do momento económico atual. Que seria certamente um excelente motivo para uma reedição do épico hit dos Dire Straits. Desta vez com um refrão menos machista (mais apropriado aos tempos modernos), ainda que um pouco redundante: Money for nothing, capital for free…