A Lei 50/2021, de 30 de julho veio prorrogar, até 31 de dezembro de 2021, o regime das moratórias em vigor.

A apreensão com que a referida Lei está a ser recebida pelo sector bancário nacional denuncia dois equívocos fundamentais em que se tem vindo a lavrar na abordagem deste tema: 1. Os regimes das moratórias, públicas e privadas, no contexto da pandemia Covid-19, são instrumentos criados exclusivamente pelos legisladores nacionais ou pelas associações representativas do sector bancário; 2. Esses regimes foram criados essencialmente para proteger famílias e empresas.

O enquadramento normativo das moratórias encontra um denominador comum nas Orientações EBA/GL/2020/02, de 2 de abril emitidas pela EBA – European Banking Authority (Autoridade Bancária Europeia), que definem o objecto, o âmbito e os limites deste instrumento.

Os diferentes regimes de moratórias criados neste contexto devem respeitar enquadramento harmonizado criado pela EBA; caso contrário, não poderão beneficiar do tratamento especial aí previsto.

A finalidade das Orientações é autorizar, temporariamente, que os bancos concedam aos seus clientes, “alívios” no cumprimento das obrigações, sem que isso seja considerado uma reestruturação ou até um incumprimento, como normalmente sucederia, o que permite àqueles fazer uma gestão ordenada do agravamento do risco de crédito no contexto da pandemia, sem que a degradação dos seus balanços seja de tal forma severa que ponha em causa os seus requisitos de capital.

Sem as Orientações da EBA, os diferentes regimes de moratória que conhecemos não teriam sido possíveis.

Se é certo que as moratórias conferem protecção às famílias e empresas, a verdade é que a base em que foram criadas destinou-se a proteger os bancos. Essa protecção não consiste na concessão de “alívios” aos mutuários, mas sim na dispensa aos bancos de tratar, imediatamente, tais concessões como reestruturações ou incumprimentos.

A EBA fez uma ponderação de riscos: por um lado, os riscos inerentes a um acréscimo imediato, significativo e desordenado de crédito malparado; por outro, os riscos emergentes de um adiamento generalizado e prolongado do cumprimento das obrigações dos mutuários.

O limite temporal das Orientações não foi fixado em função da capacidade dos mutuários retomarem o regular pagamento dos empréstimos, mas sim da capacidade do sistema bancário europeu absorver o impacto dos incumprimentos.

A dificuldade que a aplicação da Lei 50/2021 levanta é que, a partir de 1 de outubro, o regime de moratórias em vigor, deixará de ter cabimento naquelas Orientações, sendo certo que a EBA já informou que não prolongará a medida.

Assim, neste momento, dir-se-ia que os bancos não podem recusar as adesões a esta prorrogação adicional, ao mesmo tempo que terão de as encarar como reestruturações ou até incumprimentos, com a consequente degradação dos balanços dos bancos, a par do agravamento do perfil de risco dos mutuários.

O impacto desta medida depende do número de adesões ao prazo adicional e, sobretudo, das medidas que o legislador nacional, ou que o sector bancário, criem a fim de mitigar esses efeitos adversos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.