Depois de uma ditadura de 48 anos, Portugal acordou em abril de 1974 ao som da Revolução dos Cravos, com a democracia a ser instaurada no país, numa transição que se conseguiu fazer sem o derramamento de sangue que muitas vezes caracteriza as mudanças abruptas de regime.

Após alguns excessos próprios da parte de quem passou várias décadas na clandestinidade, Portugal soube caminhar para a verdadeira democracia, com o povo a poder escolher livremente os seus representantes.

Desde então, dois partidos, um do centro-esquerda e outro do centro-direita, têm, isoladamente ou através de coligações, alternado no poder: o Partido Socialista e o Partido Social Democrata. Nos últimos anos, o PS tem assegurado a governação, com o apoio mais ou menos ziguezagueante de comunistas e bloquistas, num equilíbrio nem sempre fácil no seio de um partido extremamente eclético, onde convivem diferentes tendências.

A três anos de se celebrar o cinquentenário da revolução dos capitães de abril, decidiu o Governo criar uma estrutura de missão que promove e organiza as comemorações. A referida estrutura é constituída por três órgãos: a Comissão Nacional, nomeada pelo Presidente da República, à qual cabe aprovar o programa oficial das comemorações e os relatórios de atividades – presidida pelo general Ramalho Eanes; um Conselho Geral, nomeado pelo primeiro-ministro, com individualidades de reconhecido mérito e ativismo em dimensões fulcrais na construção da democracia, que se pronuncia sobre o programa oficial das comemorações e acompanha de perto a sua execução; e uma Comissão Executiva, nomeada pelo primeiro-ministro, responsável pela elaboração do programa oficial das comemorações e pela sua concretização. Se os membros da Comissão Nacional e do Conselho Geral não terão qualquer remuneração, a Comissão Executiva, presidida por Pedro Adão e Silva, ex-secretário nacional do Partido Socialista e próximo da liderança socialista, terá regalias muito acima do que seria expectável, num país em que as remunerações médias são muito baixas.

A escolha de Pedro Adão e Silva, a remuneração que o mesmo irá auferir e a duração da estrutura de missão que promove e organiza as comemorações do 50º aniversário do 25 de Abril têm sido alvo das maiores e, em nosso entender, das mais justificadas críticas.

Independentemente dos méritos académicos de Pedro Adão e Silva, este tem contra si o facto de não ter experienciado a mudança de regime, já que nasceu precisamente um mês após a Revolução dos Cravos, e de ser excessivamente próximo da liderança socialista, o que contribui para a partidarização de um cargo que deveria ser ocupado por alguém mais independente.

As regalias oferecidas pelo Conselho de Ministros a Pedro Adão e Silva parecem-nos excessivas para alguém que, ainda por cima, vai poder exercer, simultaneamente, outras atividades remuneradas, designadamente de docência. Na realidade, uma retribuição mensal de mais de €4.500,00, a acrescer ao que já aufere como docente do ISCTE, parece-nos próprio de um país com uma realidade salarial diversa de Portugal. Mas, as mordomias socialistas não se resumem ao comissário executivo Pedro Adão e Silva.

Em boa verdade, a comissão será composta por um comissário executivo adjunto, uma estrutura de apoio técnico de até oito elementos, onde se inclui um secretário pessoal e um motorista, a qual pode ser reforçada com mais quatro técnicos superiores recrutados em regime de mobilidade.

Finalmente, também o mandato da Comissão Executiva (cinco anos, seis meses e 24 dias) é criticável. Iniciar o trabalho três anos antes do evento e terminá-lo mais de dois anos após o encerramento do mesmo parece-nos claramente pornográfico, num país em que o povo é constantemente alertado para a necessidade de apertar o cinto.

Esperava-se que um governo socialista, que apregoa uma mais justa repartição dos rendimentos, soubesse afastar-se destes tiques burgueses e destas mordomias que recorrentemente beneficiam aqueles que lhe são mais próximos, numa lógica, sempre criticável, dos jobs for the boys.