O que é que se passa com o Brasil? Nada, como sempre.

Esgrimir argumentação sobre se o governo brasileiro está ou não a “matar” o processo Lava Jato é absolutamente inútil: “se for aprovada, a proposta será o começo do fim da Lava Jato”, disse Deltan Dallagnol, coordenador da equipa que trata do maior caso de corrupção a que os brasileiros e o resto do mundo alguma vez assistiram, possivelmente espantados, e que lá vai decorrendo, entre percalços e muitas cortinas de fumo, há vários anos. Paralelamente, os procuradores que estão envolvidos na investigação já disseram que, se as propostas anti-anti-corrupção que o presidente Michel Temer se prepara para aprovar forem avante, demitir-se-ão em bloco. Portanto, a argumentação segundo a qual o governo brasileiro não está a tentar “matar” a investigação está, toda ela, ferida de absoluta falsidade.

Tudo isto faz lembrar alguns políticos (mas também alguns empresários e gestores) que, levados por qualquer razão a tribunal, fazem tudo para que os processos prescrevam e, quando isso acontece, deixam cair públicas lágrimas por não terem tido a oportunidade de se defenderem. Coitados. E também faz lembrar alguns empresários e gestores – bem como alguns políticos – que, instados pela autoridade fiscal a pagar o que lhe é devido sob pena de serem acusados de fuga, se apressam a pagar, podendo de seguida argumentar que nunca tiveram nenhum problema fiscal.

Se o processo Lava Jato tiver o fim que agora se antevê – isto é, fim nenhum – que tipo de legitimidade terá o governo, o senado, a câmara dos deputados e todo aquele pessoal para se arvorar no direito de representar e dirigir o povo brasileiro? A resposta não podia ser mais óbvia: legitimidade nenhuma. Num país onde os narcóticos sociais estão por todo o lado – o samba, o futebol, o pretenso romantismo turístico-folclórico das favelas, as religiões esquisitas ou apenas imbecis e toda essa tralha – o perigo é que, daqui por uns tempos, ninguém se lembre de coisa nenhuma e a brincadeira com o dinheiro do povo (ou dos contribuintes, como se diz nas elegantes sociedades europeias) ganhe novo incentivo e vá cada vez mais além.

Entretanto, se o processo Lava Jato desaparecer, é de esperar que algum dos “presuntos implicados” – algum dos que já bateu com os cotos na prisão – se lembre de levar o Estado a tribunal, não apenas para se ressarcir de eventuais danos patrimoniais, mas também, mais importante ainda, para limpar o seu bom nome, brutalmente enlameado por uns procuradores que o poder político se prepara para colocar no devido sítio.

De uma coisa, pelo menos, ninguém se pode queixar: de ter sido apanhado desprevenido. Desde que Michel Temer chegou ao poder, que uma série de personalidades brasileiras disse desde o primeiro minuto ao que iam: acabar com o Lava Jato. Que não, disse a rapaziada, que não era nada disso. Está a ver-se.

Por uma razão qualquer, o Brasil parece sempre um país adiado: tem riquezas naturais incomensuráveis e pobres do mais pobre que há; tem uma cultura cativante, diversa e muito rica e uma sociedade que parece o esboço de um argumento para uma novela de quinta categoria; tem petróleo e uma classe média que conseguiu respirar durante mais ou menos uma década, para agora se voltar a afundar nos detritos do seu próprio consumo; e até tem apartamentos do mais luxuoso que existe no planeta, com tipos de metralhadora a guardar as portas de entrada.

O fim do Lava Jato volta a adiar o país. É que tudo indica que o processo vai mesmo morrer na contramão atrapalhando o trânsito, como dizia um belo texto de Chico Buarque. Trânsito esse que, pelo menos de e para a sede da Petrobrás, vai com certeza aumentar exponencialmente nos próximos tempos.