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Morreu Vicente Jorge Silva, fundador e primeiro diretor do “Público”

Transformador do jornalismo português no “Expresso” e no “Público”, o madeirense tinha 74 anos e também foi realizador de cinema e deputado. Quem com ele trabalhou recorda o génio com que dirigiu redações e o hábito de sorrir ao desligar o aparelho auditivo quando não queria ouvir um interlocutor.
8 Setembro 2020, 11h02

O jornalista e realizador Vicente Jorge Silva morreu na madrugada desta terça-feira, aos 74 anos, noticiou o “Público”, o diário que ele fundou em 1990, depois de convencer o já falecido empresário Belmiro de Azevedo a dar o apoio financeiro da Sonae ao projeto de um jornal capaz de transpor para Portugal o modelo de títulos de imprensa europeus como o espanhol “El Pais” ou o francês “Libération”.

Vicente Jorge Silva liderou uma equipa com nomes como Jorge Wemans, José Manuel Fernandes, Nuno Pacheco, Adelino Gomes ou Teresa de Sousa, cujo núcleo duro foi a redação do “Expresso”, mantendo-se como diretor até julho de 1996.

Concretizou então o sonho de realizar a longa-metragem “Porto Santo”, de que também escrevera o argumento, a seis mãos com Tonino Guerra e Torcato Sepúlveda (que era o editor de Cultura do “Público”). O filme estreado em 1997 tinha no elenco Leonor Silveira, Ana Zanatti, Beatriz Batarda e, entre outros, Miguel Silva (seu filho mais velho e então repórter fotográfico do “Público”), e aproveitava da melhor forma os cenários da ilha madeirense.

Nascido no Funchal em 1945, no seio de uma família de pioneiros da fotografia, Vicente Jorge Silva iniciou-se no jornalismo enquanto crítico de cinema no “Jornal da Madeira”, com textos que lhe provocaram problemas com a PIDE. Trabalhou como operário em França e empregado de mesa no Reino Unido antes de regressar à Madeira, assumindo a direção do “Comércio do Funchal” em 1966.

Seguiu-se uma longa ligação ao “Expresso”, no qual trabalhou com o futuro diretor José António Saraiva (que conhecera muitos anos antes, devido à amizade que mantinha com o seu pai, o historiador António José Saraiva) e com o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Apesar de não ter integrado a equipa de fundadores, juntando-se em 1974, foi chefe de redação e diretor-adjunto, com responsabilidades especiais na revista do semanário. Chegou a apresentar o projeto daquilo que viria a ser o “Público” a Francisco Pinto Balsemão, mas este não acreditou que pudesse ser viável financeiramente, encaminhando-o (e a grande parte da redação do semanário) inadvertidamente para Belmiro de Azevedo.

Depois de sair do “Público”, onde fez primeiras páginas históricas como aquela em que agradecia ao ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov e assinou editoriais polémicos como o da “Geração Rasca”, no qual criticava violentamente gestos e palavras obscenas nas manifestações de estudantes contra a então ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, Vicente Jorge Silva fundou a revista “Invista” e tornou-se colunistas noutros jornais, incluindo o “Diário de Noticias” e o “Sol”, regressando às páginas do diário que fundara. O seu último texto de opinião, “’Idiotas úteis’, ‘Cultura marxista’, ‘Fascistas’, ‘Chega’, ‘Flama’”, apareceu na última página de 9 de agosto de 2020.

Homem de esquerda desde sempre e europeísta, também chegou a envolver-se na política ativa, sendo eleito pelo PS nas legislativas de 2002. Entre outras iniciativas legislativas, o deputado pelo círculo de Lisboa foi um dos autores de um projeto de lei destinada a regular a proteção dos direitos de autor dos jornalistas, mas a experiência parlamentar não o encantou.

Quem com ele trabalhou recorda o génio a dirigir equipas, e a exigência que colocava aos jornalistas, patente nos gritos que ressoavam pelas paredes das redações, e que Vicente se apressava a atribuir aos problemas de audição. Tal como, quando não tinha interesse em ouvir o que lhe estavam a dizer, tinha o hábito de sorrir para o interlocutor e desligar o aparelho auditivo.

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