[weglot_switcher]

“Mulher não entra” como oradora? As justificações dos organizadores de conferências

Questionados sobre a desigualdade de género na seleção de oradores para conferências, os respetivos organizadores apresentam as suas justificações: “quantidade não significa qualidade”, “não definimos quotas”, “motivos de agenda”, “os melhores ‘experts’ em cada área”, etc.
25 Outubro 2018, 18h33

Realiza-se amanhã o congresso “Sintra Economia 20/30 – Atividades Económicas em Debate“, no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, organizado pela Câmara Municipal de Sintra (CMS) e com o alto patrocínio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. “Com o objetivo de debater o desenvolvimento económico e a sustentabilidade ambiental, inovação tecnológica e universidade, bem como a mobilidade sustentável, (…) o congresso assenta num modelo inovador que visa a interação entre o tecido empresarial, a universidade e o setor público através da constituição de grupos de trabalho para as áreas mais relevantes da economia de Sintra – agricultura, indústria, comércio e serviços”, salienta a página oficial de promoção do evento.

O congresso vai contar com a participação de 24 oradores, com destaque para o primeiro-ministro António Costa, o Presidente da República e o presidente da CMS, Basílio Horta. Ao todo são 20 homens e apenas quatro mulheres. Qual é a justificação para tamanho desequilíbrio de género? No processo de seleção de oradores não foi ponderada a virtude de estabelecer um maior equilíbrio entre homens e mulheres? “A CMS tem assumido as questões de igualdade de género como um dos pilares na sua estratégia de desenvolvimento. Recordamos que, no ano passado, pela primeira vez, Sintra passou a ter um Plano Municipal para a Igualdade, no qual o município delineia uma estratégia de promoção de maior igualdade entre géneros”, responde o gabinete da presidência da CMS.

“O congresso ‘Sintra Economia 20/30’, em particular, apresenta um painel de intervenientes composto por personalidades de mérito, representantes de instituições relevantes para a economia não apenas local, mas nacional. No caso das digníssimas oradoras de género feminino, muitas vezes quantidade não significa qualidade e neste caso em particular recordamos que teremos, entre outras oradoras, duas reitoras das mais prestigiadas universidades europeias”, acrescenta, referindo-se a Isabel Capeloa Gil (Universidade Católica Portuguesa) e Maria de Lurdes Rodrigues (ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa).

 

“Não definimos quotas”

Amanhã também vai decorrer a “DevSummit“, no Lagoas Park Hotel, Oeiras, uma iniciativa da empresa PHC Software. “É a conferência de programação que fala a tua linguagem. Se és developer, queres aprender as novas tendências de desenvolvimento, melhorar o teu nível de conhecimento técnico e descobrir as estratégias que estão por detrás das aplicações multiplataforma utilizadas em todo o mundo, esta é a tua conferência. E é gratuita, só tens de te inscrever”, lê-se na página oficial da conferência. A qual terá seis oradores, todos homens.

Como é que se explica este painel de oradores exclusivamente masculino? “A ‘DevSummit’ é um evento aberto e gratuito para toda a comunidade de programação, quer sejam homens ou mulheres. O nosso foco foi na escolha de pessoas com conhecimento de programação para promover as melhores práticas e tornar a experiência do evento a mais interessante possível; não definimos quotas de qualquer tipo”, afirma Cláudia Raposo, chefe de operações da PHC Software.

“No entanto, a equidade de género é uma preocupação da PHC, sendo que 42% das pessoas que trabalham connosco são mulheres (a média do sector das TI é de 20%) e existe paridade nos cargos de liderança. Esse envolvimento é uma realidade na ‘DevSummit’, onde a gestora do projeto é uma mulher e 60% dos envolvidos na organização são do sexo feminino. Existem inúmeras iniciativas de mérito que procuram trazer mais mulheres para a tecnologia e, em particular, para a programação. São importantes e inclusivamente divulgámos projetos de algumas, como recentemente através da ‘Portuguese Women In Tech‘. Mas relativamente ao ‘DevSummit’, esperamos acima de tudo que seja um sucesso, cheio de mulheres e homens de todas as idades, e que torne a programação mais apelativa para todos”, sublinha.

 

“Não estão na nossa mão”

Para o dia 12 de novembro, em Lisboa, está agendada a “Conferência de Blockchain“, organizada pela Aliança Portuguesa de Blockchain (APB). Entre os 15 oradores do respetivo programa conta-se apenas uma mulher, Ana Teresa Lehmann, secretária de Estado da Indústria que entretanto foi exonerada do cargo. A que se deve este acentuado desequilíbrio de género? Não há mulheres com competência e conhecimento sobre a matéria em causa que pudessem participar na conferência como oradoras?

“A ‘Conferência de Blockchain’ tem vindo a ser preparada há vários meses com os objetivos de debater os vários temas ligados ao paradigma e tecnologia blockchain e também apresentar os projetos vencedores dos challenges lançados pela APB ao longo do ano. A equipa da organização fez e continua a fazer um esforço para convidar especialistas nacionais e internacionais nesta área. Para tal, procurámos reunir os principais nomes que conseguem apresentar perspetivas diferentes e inovadoras sobre esta tecnologia. Contactámos várias figuras nacionais e internacionais, tanto mulheres como homens. Contudo, infelizmente, algumas e alguns acabaram por declinar por motivos de agenda. Apesar de a APB ser agnóstica de género, ideologias ou escolhas, a equipa tem sido exemplar no equilíbrio de escolhas para os convites. No entanto, as respostas dos convidados não estão na nossa mão”, explica Rui Serapicos, membro da direção da APB.

“A APB existe desde março de 2018 e é com grande entusiasmo que vemos a forma como as portuguesas e portugueses estão cada vez mais interessados nesta temática. É isso mesmo que presenciamos nos vários workshops que fazemos pelo país, em que contamos com vários participantes, incluindo do sexo feminino. Este esforço da APB traduz-se também em garantir que a tecnologia chegue a todos de forma equitativa. Assim, é com muito gosto que vemos os media a terem interesse num paradigma que promove a equidade”, acrescenta Serapicos.

E tendo em conta a recente demissão de Lehmann, ainda assim vai manter-se como oradora, a única mulher no painel da conferência? “A professora Ana Teresa Lehmann foi uma das principais impulsionadoras da APB, criando um grupo de trabalho enquadrado na Secretaria de Estado da Indústria. Até ao momento, não temos indicação em contrário quanto à presença da professora Ana Teresa Lehmann na conferência. A APB é uma organização universal em que um dos objetivos principais é difundir para todos os interessados o que é a blockchain, sendo aberta a toda a população”, responde.

 

“Os melhores ‘experts’ em cada área”

A conferência “Climate Change Leadership Porto – Solutions for the Wine Industry” terá lugar na cidade do Porto, em março de 2019. Entre os 30 oradores confirmados no programa contam-se 25 homens e apenas cinco mulheres. Como é que se justifica este notório desequilíbrio de género? “A escolha dos oradores teve em consideração os temas dos vários painéis da ‘Climate Change Leadership – Solutions for the Wine Industry’, tendo-se procurado encontrar os melhores experts em cada área e, claro, que tivessem disponibilidade nas datas da conferência. A lista de oradores ainda não está fechada e todos os contributos são bem-vindos”, responde Adrian Bridge, diretor da Climate Change Leadership.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.