Uma das maiores surpresas que tive recentemente foi aperceber-me da indiferença que muitíssimos portugueses têm pela seguinte noção: o mar é importante para Portugal. Ou por esta: o mar de Portugal é enorme. Muito simplesmente não acreditam, porque não sabem. O mar será apenas aquilo que conhecem: praia, peixe grelhado, abate de embarcações… A culpa não é deles.

A chamada iliteracia do mar é tão grande em Portugal quanto é a Zona Económica Exclusiva de Portugal, a quinta maior da Europa, a quarta maior da UE e a 20ª do mundo com 1.727.408 km2, e que procura ser ampliada. Portugal apresentou em 2009, nas Nações Unidas, uma proposta para estender a sua jurisdição sobre mais 2,15 milhões de quilómetros quadrados da plataforma continental que fica adjacente à ZEE, o que resultaria num território marinho de 3.877.408 km2.

O alheamento atual contrasta com a ambição marítima secular de Portugal. Expandir o território e controlar o mar, ou o que se encontra para além dele, está presente na vida dos portugueses desde pelo menos Afonso Henriques. E, de facto, os portugueses conseguiram controlar o mar – conhecido e desconhecido. O rei Manuel enviou frotas por todos os oceanos em perseguição de Fernão de Magalhães, talvez o mais extraordinário dos marinheiros portugueses.

Este mundo português enraizado no mar que os portugueses descobriram e ampliaram, e que Vasco Pulido Valente relembrou em recente entrevista ao Público, está presente em numerosos museus portugueses que revelam através dos seus acervos e das suas iniciativas a dimensão global do relacionamento histórico de Portugal com o mar.

Os museus são um dos instrumentos que podem tornar os portugueses fãs do seu mar para além da praia. A razão de ser dos museus vai muito além da conservação e exibição de património cultural: são inventores de novos modos de ver, de novas experiências de ensino e aprendizagens, fazendo recurso a técnicas expositivas e experienciais de apelo universal, que, por sua vez, geram maior valor cultural, económico e social.

Os museus também contribuem para a notoriedade a nível local, o que produz um efeito multiplicador positivo a vários níveis, desempenhando uma importante função na coesão e identidade locais, na criação de emprego e dinamização das economias locais, no estabelecimento de laços e de redes sociais e de conhecimento a nível regional, nacional e internacional.

Mas tudo isso é difícil. Atrair e fidelizar audiências são desafios que muitos museus enfrentam na Europa, em particular os pequenos museus, muitos deles periféricos, longe dos grandes centros urbanos, ou que, estando neles, estão fora das principais rotas turísticas.

Há em Portugal dezenas de museus cuja temática tem relação direta com o mar. Muitos têm no seu cerne a grande tradição marítima portuguesa. Alguns são totalmente dedicados às coisas do mar, outros incorporam nas suas coleções importantes temáticas relacionadas com o mar – navegação, exploração, vidas, artes. Muitos são pequenos, com poucos recursos humanos e tecnológicos.

Para expandir e atrair mais e novos públicos é preciso um permanente esforço que exige recursos humanos, financeiros, tecnológicos e organizacionais para que as tecnologias digitais ofereçam a possibilidade de chegar a todo o mundo com investimento reduzido e com recurso a competências básicas. Todavia, se enviar a mensagem é fácil, atingir o destinatário certo com a mensagem certa, e conseguir captar a sua atenção, é difícil na nuvem comunicacional da web.

Para conseguir concorrer com milhões de outras mensagens e sobressair é indispensável criar e desenvolver uma mensagem simples e poderosa. Através da aplicação de branding e marketing digital é possível projetar o património marítimo nacional através das marcas dos museus que lhe são dedicados, tornando-os mais reconhecidos e reputados entre públicos nacionais e estrangeiros.

Vários museus desenvolveram poderosas marcas próprias e especializaram-se na comunicação e outras técnicas digitais, como por exemplo o crowdfunding. Esses museus desenvolveram práticas e competências de alto nível, mas muitos outros precisam urgentemente de imergir no digital para emergir no conhecimento dos públicos nacionais e internacionais.

O corrente projeto de investigação “Branding de ‘Museus de Mar’ de Portugal para um Ecossistema Competitivo e Sustentável: Modelo de Desenvolvimento de Públicos para Pequenos Museus”, com o acrónimo muSEAum, está focado no aperfeiçoamento de competências em branding e marketing para a potenciação da marca dos museus de mar – sustentada nos acervos, locais, edificados, experiências – e sua disseminação através de técnicas de marketing digital para conseguir maior e mais ampla notoriedade.

O objetivo é o desenvolvimento de um ecossistema competitivo e sustentável de museus baseado nas marcas dos museus e no respetivo contributo para a marca coletiva muSEAum – Museus de Mar de Portugal (Sea Museums of Portugal), e a sua projeção através de tecnologias digitais para todo o mundo.

A função do brand – a marca – e do branding é consubstanciar e disseminar uma identidade própria, facilmente reconhecida, que propõe ao potencial visitante uma proposta de valor interessante, uma promessa de qualidade, uma experiência diferenciada. O brand de cada museu será, aliás, um contributo essencial para o efeito multiplicador resultante da marca coletiva sustentada no efeito de rede.

Foram identificados os seguintes clusters de museus e de experiências relacionadas com a museologia do mar e que dão expressão à marca coletiva muSEAum – Museus de Mar de Portugal: Descobertas (Descobridores, marinharia, construção naval, sítios, artes e ofícios); artes plásticas (ex-votos, naturalismo, pintura histórica); pescas (baleia, bacalhau, costeira, arrasto de alto mar); indústrias alimentares (salinas, garum, conservas); oceanografia (exploração científica, oceanários, aquários); energia (moinhos de maré); construção naval (alto mar, baleeira, costeira); etnografia; navegação (faróis); desportos náuticos (surf); experiências (culturas marinhas, embarcações tradicionais, arte xávega, subaquático).

O projeto está concebido na perspetiva de uma parceria de formação ao longo da vida, de partilha de conhecimento e coinovação entre a academia e museus de todo o país. É um projeto da unidade de investigação CICANT da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias – de que faço parte como Coinvestigador Principal – vai decorrer ao longo de três anos e é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), respondendo ao objetivo da Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020 de potenciação do património cultural marítimo.