Não “bebo do fino” o suficiente para me permitir interpretar, com foros de certeza, as várias peripécias ocorridas nesta saída de Mário Centeno do Governo. Os sinais em torno do ministro cessante, nos últimos tempos, não foram unívocos. Por não saber nada disto, por não fazer parte do serralho, posso permitir-me à liberdade de ter uma opinião livre, embora porventura especulativa.

Como uma grande maioria dos portugueses, tenho uma excelente opinião sobre o trabalho desenvolvido por Mário Centeno. O país fica a dever-lhe grande parte da credibilidade externa adquirida em tempos mais recentes, e a sua prestação marca um grande momento da história financeira portuguesa.

Diz-me quem com ele colaborou no desenho do cenário macroeconómico que serviu de base ao programa económico do PS, nos idos de 2015, que ele já aí revelava uma autoridade “soft”, feita de uma simpatia pessoal que não dispensava firmeza perante o essencial. É um homem determinado, com ideias bem claras, que os factos acabaram por constatar como realistas.

Por muito que, na hora da sua despedida do Eurogrupo, algumas vozes, até tristemente portuguesas, se afoitem a menorizar o seu trabalho europeu, quem é que acreditava, em 2015, que o ministro das Finanças de uma das economias mais endividadas da zona euro, com um recorde de incumprimento dos objetivos do défice, ia ser eleito para coordenar o trabalho dos seus colegas europeus? Muito poucos e, confesso, eu à época não estava entre esses poucos.

Centeno merece, na hora da sua partida, um preito de admiração e gratidão. Mas, porque gosto de ser justo, quero deixar expresso que o excelente trabalho de Mário Centeno nas Finanças não pode ser desligado do papel central, às vezes ligeiramente esquecido, de António Costa.

Foi Costa, e não Centeno, quem, desde a primeira hora, tomou a decisão, que não era técnica e que foi política, de vir a cumprir estritamente os compromissos europeus a que Portugal estava ligado. Do outro lado da moeda estava a geringonça. Costa percebeu que era nesse equilíbrio que residia a sua credibilidade. Centeno foi o ministro escolhido por Costa para implementar essa sua diretriz.

Foi Centeno quem desenhou a acomodação orçamental das concessões políticas necessárias para assegurar o apoio parlamentar ao Governo. Depois, vinha o resto: o quadro dos impostos, do lado da receita, as cativações e a barganha interministerial, do lado da despesa.

Alguns conhecemos, e os que não conhecem imaginam, o que é o comportamento de um ministro das Finanças nas vésperas de um orçamento, que é sempre uma manta demasiado curta para cobrir as ambições dos ministros. Mas quem é que dá a liberdade ao ministro das Finanças para poder satisfazer, ou não, os outros membros do Governo? O primeiro-ministro, claro. Mário Centeno foi, indiscutivelmente, um excelente ministro das Finanças. Mas esquecer o papel de António Costa na gestão política dessas mesmas Finanças não ajuda a perceber a realidade objetiva das coisas.