Poucos ficcionaram até hoje que a terceira guerra mundial seria travada contra a natureza, sem ter como protagonistas em conflito os poderes instituídos clássicos. A ordem mundial relativiza-se e dissolve-se de modo surpreendente perante a pandemia que assola o mundo neste momento.

A dinâmica da economia, do poder político e a força militar, factores de identificação de um Estado forte, são substituídos pela eficácia do Estado no combate à pandemia. Enquanto Itália, Alemanha, França, Espanha, Estados Unidos, países nórdicos e outras potências consolidadas estão literalmente a ser derrotadas pela doença, assistimos a uma emergência do oriente como grande frente de eficácia, em países como o Japão, Taiwan, Singapura, a região autónoma de Macau e a própria China, se tivermos em conta a dimensão e profundidade do problema.

Com esta realidade, surgem novos desafios que importa não ignorar. O pensamento político, em face da emergência, mas de modo analítico e prospectivo, tem grandes desafios pela frente. Não faltarão aproveitamentos oportunistas da circunstância actual. É um facto que as ditaduras e os sistemas mais musculados reagiram melhor do que as democracias mais abertas e estáveis, o que cria uma obrigação suplementar nos regimes mais abertos de recorrer a todos os instrumentos disponíveis sob o primado da lei de modo rápido e eficaz.

Portugal tem uma vantagem temporal comparativa com outros países assolados pela doença. Temos à frente dos nossos olhos exemplos de diferentes abordagens e a eficácia das mesmas. De forma simplista, poderemos dizer que, com o conhecimento que temos, podemos optar por uma abordagem resoluta à Macau ou uma passividade à italiana.

O governo português conta com a responsabilidade de todos os partidos políticos, e congregou o seu apoio sem hesitações num exemplo assinalável de responsabilidade democrática. Este apoio importante constitui também uma obrigação na acção. Não há razões políticas para a hesitação, muito menos, para a inacção. O Governo português reúne todas as condições para atacar o problema com resolução, diria mesmo, com a radicalidade que se impõe, e que o tempo ainda nos oferece.

Atenta a situação vivida em Espanha, único país com quem partilhamos fronteira terrestre, há razões mais do que suficientes para o imediato encerramento das fronteiras terrestres. Por maioria de razão, dada a permeabilidade do sistema e a diversidade da exposição, o mesmo deverá acontecer com as fronteiras marítimas e aéreas, excepção feita, obviamente, ao trânsito de bens e matérias-primas. Não há como explicar que tal ainda não tenha sido feito.

O rigor é aliado da eficácia. O encerramento compulsivo de esplanadas, cinemas, cafés, restaurantes e todos os locais públicos não essenciais é uma inevitabilidade. A suspensão de actividade da indústria de mão-de-obra intensiva, com forte concentração espacial de trabalhadores, que não possa garantir as distâncias de segurança prescritas e o trânsito seguro de pessoas, tem de ser rapidamente equacionada. As regras de acesso e comportamento nos espaços públicos essenciais deverão ser fiscalizadas e os controlos de temperatura seriam bem-vindos, enquanto meios de redução de risco.

A convocatória à indústria e serviços nacionais, como meio de supressão das faltas mais preocupantes, é urgente. Quais das nossas empresas poderão, com a adaptação necessária, produzir ventiladores, máscaras, luvas, fatos protectores? Este inventário é imperativo e indispensável. Como poderá a hotelaria apoiar o esforço de combate em curso? Que meios poderá a distribuição usar para maximizar o efeito de quarentena? Como vai a banca retribuir ao país e aos portugueses os anos de esforços partilhados por todos para a sua salvaguarda? Que papel global terão as Forças Armadas na superação desta crise?

Todas estas perguntas exigem uma rápida resposta. O Estado de Emergência é a ferramenta de resposta do Estado de direito para momentos com esta exigência; o seu uso é salvaguarda da Democracia, e não o contrário.

Já estamos no início da travessia de um tempo terrível. De todos será exigido o máximo. Ao Governo e aos agentes políticos será exigida direcção e decisão. Aos agentes económicos, sociais e a nós povo, será exigida solidariedade, ordem e exigência esclarecida. Que Deus ajude Portugal e cada um dos portugueses.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.