O ataque à bomba à sede do MAS, onde se encontrava Luís Arce, recém-eleito Presidente da República da Bolívia, não aconteceu para a generalidade da comunicação social dominante. Mas não há qualquer novidade neste comportamento.

Por exemplo, o “Público” de há um ano a esta parte ainda não conseguiu pronunciar “golpe de Estado” para caracterizar os acontecimentos na Bolívia depois das eleições de 20 de Outubro de 2019. Ou as põe na boca de quem o sofreu, assim procurando desacreditar essa caracterização, ora volteia nos eufemismos para fugir ao que de facto aconteceu: um golpe de Estado. Para todos, mesmo cegos, o papel das fardas entrou pelos olhos adentro…

A 19SET20 informa da fraude levada a cabo pela OEA – Organização dos Estados Americanos, com o (habitual) patrocínio dos EUA, sobre a contagem de votos das eleições presidenciais de 20 de Outubro de 2019 (ganhas por Evo Morales), base justificatória do golpe e consegue escrever: “Quase um ano depois de Evo Morales se ter demitido da presidência boliviana, por causa da pressão popular e de acusações de fraude eleitoral – que não foram provadas – e de Áñez ter aproveitado o vazio do poder para assumir a chefia do Estado (…)”.

A 18OUT20, noticiando as eleições, escreve: “À esquerda, os apoiantes de Morales  e do seu Movimento para o Socialismo (MAS) denunciam um «golpe de Estado» (aspas do “Público”) (…); para a direita, o afastamento de Morales foi o desfecho justo para um «ditador» (…)”. O jornalista ainda não parece saber o que aconteceu…

A 20OUT: “A esquerda regressa ao poder quase um ano depois da demissão forçada do ex-presidente Evo Morales (…)”; “Nas eleições do ano passado, a detecção de uma alegada fraude eleitoral para beneficiar Morales desencadeou fortes protestos que culminaram com o afastamento do Presidente”. O jornal descobre uma “demissão forçada” e até detecta “a detecção de uma alegada fraude”, mas não percebe que houve um “golpe de Estado”!

A 21OUT o “Público” acompanha a contagem de votos e apenas sabe que “Evo Morales, exilado na Argentina, voltou a acusar a OEA de «ser cúmplice» de «um golpe de Estado com massacres e perseguição política»”.

A 8NOV o “Público” atribui a Seta para Cima a Luís Arce, considerando “Evo Morales, o Presidente que se demitiu no ano passado, pressionado pelos militares”. E depois, na notícia: “Evo Morales, o Presidente de esquerda que se demitiu o ano passado depois de uma eleição manchada por alegações de fraude (…)”. O “Público” ainda não descobriu o que é uma demissão pressionada por  militares…

A 9NOV noticia o regresso de Evo Morales à Bolívia. Em sub-título: “Ex-Presidente regressa hoje ao país, um ano depois de uma saída forçada”. No texto: “Após um processo confuso de contagem de votos (…), Morales foi declarado vencedor. A oposição conservadora e os seus aliados internacionais como os Estados Unidos, acusaram-nos de fraude eleitoral e o país mergulhou na violência (…)”; “Evo Morales perdeu o apoio das Forças Armadas e assistiu à autoproclamação de Añez (…)”. O Público ainda não viu o “golpe de Estado”.

Mas, com uma fraude inventada, com a intervenção das Forças Armadas, com uma “demissão forçada”, com a ingerência dos EUA… se não é golpe de Estado, o que é?

Depois disto, e de muito mais que não se conta por ser verdade, não podia ter acontecido o que aconteceu à porta da sede do MAS, na quinta-feira, 5 de Outubro.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.