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Gregory Renand: “Não basta às empresas estarem conscientes da relevância da saúde mental”

Em Portugal para o balanço do programa “Por ti”, que promove o bem-estar mental nas escolas, Gregory Renand explica que a pandemia fez com que a importância da saúde mental fosse reconhecida, mas é preciso, apela, passar das palavras à ação. O líder da Z Zurich Foundation frisa que a prevenção é essencial, mas alerta que os orçamentos apostam pouco nessa vertente.
3 Junho 2023, 13h30

Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 27 de maio, com a edição impressa do Semanário NOVO.

Num único ano letivo, 19 mil alunos portugueses, mais de mil professores, 700 assistentes operacionais e quase 800 famílias beneficiaram do “Por ti”, programa financiado pela Z Zurich Foundation que quer promover o bem-estar mental nas escolas. De visita a Portugal para este primeiro balanço, Gregory Renand, líder dessa instituição de solidariedade fundada pela seguradora Zurich, falou com o NOVO sobre a importância da saúde mental entre os mais jovens, mas também nas empresas. E deixou um apelo: é preciso passar das palavras à ação. Isto com um foco especial na prevenção dos problemas deste foro, defende o responsável.

Comecemos pelo programa “Por ti”. Porque decidiu a Zurich criar esta iniciativa?
A Fundação Z Zurich foca-se em ajudar as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade através de quatro prioridades. A primeira, é a adaptação às mudanças climáticas. Ajudamos as comunidades através da prevenção, por exemplo, face aos riscos de cheias, de ondas de calor e de fogos. Também ajudamos as comunidades a liderarem melhor com as grandes crises, de uma perspectiva de ajuda humanitária. Em paralelo, apoiamos os jovens em dois assuntos muito importantes. Ajudamos os jovens vulneráveis, no que diz respeito ao bem-estar mental e à entrada no mercado de trabalho, através da educação, estágios e outras formas de orientação. A saúde mental dos jovens é uma questão global. Já era antes da pandemia, e em resultado da covid-19 está agora agravada.

Já se focavam nesta área antes da covid-19?
Já éramos muito ativos, quanto às questões ligadas à juventude, bem-estar e inclusão. Perguntamo-nos a nós mesmos como poderíamos apoiar os jovens. Sentimos que a saúde mental e a prevenção de problemas a esse nível eram as áreas em que podíamos ter o maior impacto. Só 2% dos orçamentos públicos da saúde são dedicados à saúde mental. É uma pequena porção dos gastos médios do Governo.

Está a referir-se ao Orçamento português?
É uma média. Dentro dos 2%, a maioria dos investimentos está focada na recuperação, isto é, nos cuidados e no tratamento. Não há muito feito ou, pelo menos, não o suficiente no lado da prevenção. Portanto, sentimos que essa era uma questão à qual poderíamos dar o nosso apoio.

De que modo?
Começamos a construir um programa global, em conjunto com organizações como a UNICEF, com a qual temos uma parceria em torno do bem-estar mental dos jovens. Também trabalhamos com todos os ramos comerciais da Zurich, em concreto com aqueles que estão disponíveis para lançar programas ligados ao bem-estar mental, como é o caso da Zurich Portugal. Foi por isso que começamos este programa fantástico com a EPIS [Empresários Pela Inclusão Social] e as universidades, o “Por ti”. Em três meses, o programa recebeu duas vezes mais manifestações de interesse por parte dos professores do que estava previsto para os quatro anos. Diz muito sobre as necessidades e a sua gravidade. Há uma grande necessidade tanto entre professores, como alunos. Cerca de 19 mil alunos foram abrangidos pelo programa em três meses.

Porque decidiram abranger com este programa também os professores, em vez de se ficarem pelos alunos?
O nosso foco principal são os jovens, mas para os impactar de forma sustentável é preciso trabalhar com, por e para eles. Para isso, é preciso trabalhar também com o ambiente que os rodeia, sejam os pais, os professores ou os treinadores. Nalguns países, temos programas centrados no desporto. Noutros, o foco são as escolas, [como em Portugal]. É por isso que, no âmbito do “Por ti”, os professores estão envolvidos, mas também as famílias, porque estas são parte do tal meio que rodeia os jovens. É muito importante que as famílias criem ambientes nos quais as pessoas podem deixar claro que está tudo bem em não estar tudo bem.

Sente que ainda há um estigma ligado à saúde mental nas escolas?
Em muitos sítios, ainda há esse estigma, e a covid-19 agravou os problemas de saúde mental. A pandemia criou muita solidão entre os jovens e também uma grande dependência face à comunicação online, o que resulta, por exemplo, em bullying e em várias outras práticas, que impactam profundamente a saúde mental e o bem-estar mental dos jovens. Por outro lado, numa nota mais positiva, a covid-19 fez também com que a saúde mental fosse reconhecida como um problema. Portanto, vemos agora cada vez mais pessoas a falar sobre o assunto.

A discussão ganhou força, mas o que falta fazer agora para acabar com esse estigma?
Precisamos, enquanto sociedade, de passar das palavras à ação. É isso que queremos, na Z Zurich Foundation. Agora que todos sabemos que isto é um problema, temos de agir, em particular na prevenção, porque há estudos que mostram que, por cada dólar investido na prevenção de problemas de saúde mental, poupamos cinco dólares que seriam gastos na recuperação. Portanto, o vosso objetivo já não é promover só a consciencialização para a importância da saúde mental, mas também a ação.

Sim. Queremos ajudar os jovens a cuidar proativamente do bem-estar mental, tal como fazemos com o bem-estar físico. O primeiro passo é eliminar o potencial estigma. O segundo é mostrar aos jovens que ferramentas podem usar para gerir o seu bem-estar mental de modo proactivo. Por exemplo, como gerir o stress e a ansiedade. Estes são os dois principais factores que conduzem à depressão. Portanto, se trabalharmos na gestão do stress e da ansiedade, evitamos que muitos dos jovens caiam em depressão. Quando se chega a esse ponto, a recuperação é um processo muito longo. E também damos aos cuidadores (pais e professores) desses jovens as ferramentas para que possam ter um impacto significativo na saúde mental deles.

E as empresas, já estão suficientemente despertas para a relevância dos problemas mentais?
Espero que sim. Mas acho que não é suficiente. Parte da política de recursos humanos da Zurich é cuidar do bem-estar das suas pessoas e isso é definido em quatro grandes vertentes: bem-estar financeiro, físico, social e mental. Como profissionais de seguros, sabemos da importância da saúde mental através de diversas lentes.

Mas em Portugal estima-se que todos os anos as empresas percam centenas de milhões de euros por causa de problemas de saúde mental dos seus trabalhadores. Na sua visão, porque é que as empresas não estão a fazer mais?
Tenho uma pequena equipa de 15 trabalhadores e, para mim, a saúde mental é muito importante. Trabalhamos num ambiente de pressão, porque há muito que fazer, tal como acontece com qualquer trabalhador à volta do mundo. Há uma pressão crescente sobre os trabalhadores e os empregadores têm de reconhecer que precisam de garantir um ambiente que permita às pessoas fazerem o seu trabalho, mas de forma sustentável tanto para elas, como para as organizações.

Portanto, os líderes do futuro serão necessariamente mais empáticos?
Claro, mas os líderes de hoje já são empáticos.

Mas há trabalho a ser feito.
Há sempre trabalho a ser feito. Ninguém é perfeito nesta área, mas não há oceanos sem gotas. Todos os segundos contam, todos os euros contam, todas as iniciativas contam.

Qual é a importância das iniciativas em torno da importância da saúde mental para a atracção e retenção de talento, numa altura de escassez de trabalhadores tanto em Portugal, como na generalidade da Europa?
Se falarmos com qualquer departamento de recursos humanos, percebemos que a Geração Z está extremamente interessada e tem muita paixão pelo propósito das empresas. Que valores defendem as empresas? A Geração Z quer trabalhar para empregadores que tenham os valores certos. A sustentabilidade e o envolvimento na comunidade importam muito. Acredito que as empresas mais ativas nestas áreas irão atrair talento.

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